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Reverence Santarém 2017 – Dia 2 – 09/09/17 @ Ribeira de Santarém

O primeiro dia foi duro. Vinte bandas, das quais só conseguimos ver dezoito devido aos atrasos no horário, e mais de catorze horas de música. Mas o saldo musical do Reverence Santarém é para lá de positivo – por muito que as condições não sejam as mesmas, vamos todos para lá por causa da música, certo? Para este segundo dia, a expectativa de igualar ou superar era alta.

Sendo uns dos primeiros a entrar no recinto, não muito tempo antes do início dos concertos, pudemos constatar que o cansaço do dia anterior faria com que o público tardasse a aparecer. O que foi uma pena já que a primeira banda, os I Am The Gost Of Mars mereciam sem dúvida um maior número de pessoas na assistência. Donos de uma sonoridade bastante experimental que nos dá a ideia de que estamos perante temas improvisados que vão desde o rock psicadélico até ao stoner/doom. Gostámos bastante do pormenor de afinar / mudar de afinação durante os temas que nos remete para momentos clássicos de álbuns como o “Made In Japan” dos Deep Purple.

Era a vez dos Nonn no palco Sabotage e mais um regresso ao passado. O projecto de Christian Eldefors dos The Orange Revival mostra-nos que a música electrónica também pode ser orgânica. Interessante viagem ao som da vanguarda que tem uma base ritmica electrónica e depois é adornada com duas guitarras e um sintetizador. Apesar desta descrição não ser propriamente atractiva, o som era bem interessante.

Mais interessante ainda é o som do duo nacional Royal Bermuda. Totalmente acústico e instrumental, a premissa da banda é recuperar a cultura portuguesa musical, dentro e fora das fronteiras de Portugal continental. O resultado foi hipnótico e um excelente mumento em que quase todo o público se sentou em frente ao palco a apreciar o som. É deste tipo de magia que é feito o Reverence, é este tipo de experiências que faz com que queiramos voltar todos os anos.

 

The Janitors chamou todos ao palco Sabotage quando o vento ameaçava tornar a noite ainda mais fria e desagradável que a noite anterior. Grande feeling que as músicas da banda foram deixando. Já sabemos que o rock psicadélico gosta de libertar os nossos corpos do fardo da alma e de nos levar para longe em viagens astrais, mas quando se junta ao shoegaze é caso para ser quase uma viagem sem retorno. Não se pense que por isso a banda estava bastante apática no palco. O contrário, bastante dinâmica que só tornou a sua actuação ainda melhor.

No palco Tejo, os Chinaskee e os Camponeses demonstraram logo que queriam trocar-nos as voltas com a primeira vez que se dirigiram ao público: “Olá Chinaskee, nós somos o Reverence”. Efectivamente trocaram-nos as voltas de uma forma positiva. Por um lado com a doçura do seu dream pop, por outro os trejeitos do rock psicadélico onde o orgão dava um ar único e ainda mais alucinado ao som final. Temas longos, com passagens instrumentais bastante alargadas. Não fosse o horário e até gostaríamos de os ouvir mais – e foi o que aconteceu. Quando os The Underground Youth deveriam estar a subir ao palco, os Chinaskee e os Camponeses perguntaram se ainda dava para tocar mais uma. E assim (re)começou a saga dos atrasos.

Os The Underground Youth fazem uma mistura deliciosa de música de vanguarda, rock psicadélico e até um certo espírito rockabilly. A sua apresentação em palco é suigeneris. Sem bateria – apenas uma tarola e timbalão a cargo de Olya Dyer que ia conseguindo imprimir uma dinâmica assinalável ao som. A banda estava nitidamente a gostar do concerto e isso só serviu para envolver ainda o público.

Os senhores que se seguiam eram um dos grandes destaques deste segundo dia na nossa opinião: Asimov And The Hidden Circus. Se os Asimov por si só já são excelentes, desde que iniciaram este ciclo de colaborações com os músicos que compõe o denominado Hidden Circus conseguiram elevar ainda mais a fasquia. Som e groove hipnótico ao qual o violoncelo provocou um colorido especial. Quando se assiste a uma jam fica-se com a sensação de que estamos a presenciar magia e foi o que pudemos presenciar no palco Tejo.

Melhor do que termos expectativas cumpridas foi termos surpresas que nos deixaram maravilhados. Já sabíamos que os Siena Root eram uma grande banda, mas depois de os ver no palco Sabotage ficámos com essa confirmação. E mais que isso, ficámos com vontade de ouvi-los muito mais e noutros contextos. Com uma entrada à la “Hit The Lights”, com um som ao melhor que a década de setenta tem para oferecer e com uma voz à la Janis Joplin, o resultado foi um blues rock explosivo, orgânico e muito boa onda que deixou toda a assistência rendida. A sua actuação passou num instante e a banda estava disposta a mais mas infelizmente teria que se tentar não acontecer o que tinha acontecido na noite anterior – nesta altura já estavamos com um atraso de mais de dez minutos em relação ao horário. Fica a nota que esta banda precisa de voltar a Portugal urgentemente.

Conjunto!Evite, já dissemos antes nestas páginas e voltamos a dizer, é um grande nome. Estranho, peculiar mas que acerta mesmo no alvo. Assim como o próprio som da banda. Uma amálgama de ideias e géneros que vão desde o psicadélico até a uma certa aura progressiva. Um grande som, ao melhor espírito jam, num regresso ao Reverence (a banda esteve na primeira edição do festival) festejado por todos os que apreciaram a sua actuação.

Infelizmente o problema dos atrasos voltou a verificar-se com um soundscheck, desta vez com os Träd Gräs Och Stenar, Traden, um dos nomes mais clássicos do rock progressivo sueco. Uma demora que até quase tornou imperceptível se a banda estava a ainda a testar o som ou se já estava a tocar. Só quando o baterista entrou em palco e se posicionou no seu lugar atrás do kit, depois de um longo momento de drone de baixo distorcido, é que se teve a certeza que a banda já estava  a tocar. Uma enorme viagem, um enorme concerto onde o toque de flauta fazia com que pensássemos que estávamos perante uma jam de Ian Anderson dos Jethro Tull com os Pink Floyd. Enorme concerto, único.

 

A excelência musical não fica limitada às propostas estrangeiras. Os Cows Caos provaram que a extravagância também é possível unir-se à excelência. Uma actuação excêntrica como já é hábito por parte desta banda que junta o rock psicadélico às guitarradas e ritmos próprios do surf rock. Juntando isto a uma bailarina exótica que parecia estar ligada a uma bateria de alta voltagem, temos a receita para uma actuação de qualidade ímpar.

 

Quando os Gang Of Four subiram ao palco já so pensava… “malditos soundchecks!”. Quase uma hora de atraso colocaram os nervos em franja que foram acalmados pelo som clássico do pós-punk da banda que já não visitava o nosso país há sensivelmente três décadas. Não é do som mais imediato que já passou pelo palco Sabotage mas coadunou-se bem com a noite que se tornava fria.

Para aquecer o ambiente vieram os Pás de Problème. Não há palavras para descrever uma actuação desta banda lusa que mais parece extra-terrestre. Poderíamos dizer que são uma espécie de Kosturika on drugs mas se calhar a melhor descrição é aquela que eles próprios fazem: a real porrada! Ritmo exuberante e uma qualidade musical excepcional que permitiram tudo, desde uma wall of death (a primeira que vimos a ser feita por uma banda que NÃO toca metal) mosh capaz de fazer levantar poeira. Esta é uma banda obrigatória ver! Seja onde for!

 

Com mais de uma hora de atraso, junta-se mais um longo soundcheck. Depois do gás todo dos Pás de Problème, o entusiasmo morre lentamente enquanto se aguardou por uma das grandes atracções do festival, os Mono. A música é sem dúvida diferente e algo que obriga (ou pelo menos sugere) a contemplação e aquelas condicionantes não eram de todo favoráveis. Cansaço, frio, ligeira irritação por todos os atrasos e depois de um autêntico furacão na forma dos Pás de Problème.

Tudo coisas que a banda era alheia e que não teve influência no grande concerto que deram, onde passearam um pouco pela sua discografia onde o destaque vai para o excelente “Requiem For Hell”, um dos nossos álbuns do ano de 2016. Um excelente concerto por parte de uma banda que é mestre em conseguir tocar o coração de quem os ouve.

Para despertar a multidão de melodias mais épicomelancólicas, vieram os Is Bliss, que apesar de não serem estranhos ao pós-rock, gozam de um groove próprio do rock alternativo. Ritmos fortes que se tornaram hipnóticos por parte de uma banda que tem atraído e recolhido muita atenção e boas críticas. Apesar da hora avançada, o público correspondeu positivamente ao seu som.
Com os Hills aconteceu o mesmo com os Träd Gräs Och Stenar, Traden: começaram por tocar uma longa jam quando se ainda pensava que estavam no soundcheck, inclusive por parte do P.A. que só após longos minutos é que ligaram as luzes, É este tipo de som que preferimos. Aquele que nos faz abstrair e desligar das coisas à nossa volta. E a própria banda parecia estar mergulhada nesse espírito, onde os três guitarristas teciam verdadeiras teias sonoras que iam em todas as direcções e ligavam tudo a todos. Ficámos com a ideia que nem era preciso termos músicas, apenas jams. Belas e longas jams.

Como um azar nunca vem só… neste caso, um atraso nunca vem só. Os Löbo tiveram muitos problemas técnicos que atrasaram dolorosamente o início da sua actuação. Quando finalmente começou, tudo ficou esquecido. Duas baterias, som poderoso, bem definido e bem alto – e de vez em quando com as malditas interferências nas colunas. A músicas dos Löbo é outra que é orgânica como o espírito jam exige apesar da alguma parafernália electrónica e é esse espírito que faz com que cada sua actuação seja imperdível. A do palco Tejo não foi excepção.

A finalizar a nossa noite (infelizmente por não aguentarmos mais) estiveram os Esben And The Witch, uma das mais interessantes bandas dentro do espectro doom/folk, onde a mística que a sua música evoca é quase como um quarto integrante. A banda entrou começando por agradecer ao público por ainda estar acordado para vê-los. Estávamos acordados mas já estávamos no limite. O que vale é que o power trio consegue embalar-nos como ninguém.
Já passavam das cinco da manhã e estavamos oficialmente de rastos. Para muita pena nossa não tivemos mais energias para ver a joint venture entre Dr. Space e Luis Simões e os Throw Down Bones. Apesar de ter sido uma edição que sofreu com algum desinvestimento notório e afligido com muitos problemas devido ao som, não podemos dizer que tenha sido uma decepção. Boa música, boa comida (excelente oferta em termos de comida que só teve o problema de fechar muito cedo em relação aos horários do festival) e o bom espírito do Reverence que continua vivo e bem vivo, independente da forma. Que não fique por aqui e para o ano tenhamos mais uma maratona de concertos.Reportagem do primeiro dia – ler aqui

Reportagem por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
Agradecimentos a Reverence Santarém

 

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