Vagos Metal Fest – Dia 2 – 12/08/17 @ Quinta do Ega, Vagos
Depois de uma maratona intensa e de muitos momentos marcantes do primeiro dia, ainda havia um segundo dia igualmente intenso pela frente. Se há alguma prova de resistência que apreciamos, estas verdadeiras olimpíadas do metal são as nossas favoritas. A começar o certame do segundo dia, tivemos os Implore que quando iam para dar início à sua estavam perante uma plateia vazia, dizendo algo do género “Não está aqui ninguém mas vamos tocar na mesma”. Não admira, o dia anterior tinha sido duro e para muitos era difícil estar ali à hora marcada para o início do primeiro concerto. Ou assim pensámos.
Afinal, aquilo que os Implore provaram foi que seria só necessário começar a tocar. A banda alemã sediada em Espanha e Itália acabou de lançar o seu segundo álbum e conseguiu fazer o mesmo que o flautista no conto tradicional “A Flauta Mágica”. Em vez de levar os ratos até à falésia, o som da banda trouxe uma multidão que se foi juntando em frente ao palco, para serem banhados pela dose característica do seu death metal enegrecido que tem tanta gravilha no som que até poderiam ser uma boa aposta para alcatroar estradas secundárias. Som poderoso na herança da tradição sueca de death metal misturado com uma certa dose de black metal caótico que provocou bastantes circle pits. O power trio circulou pela sua curta carreira, inclusive pelo seu segundo álbum que tem lançamento em Setembro e que em breve será algo de análise pela World Of Metal.
Começaram a tocar para o vazio e deixaram para trás uma multidão ávida por mais. Missão cumprida na perfeição. Os senhores que se seguiam eram os Brutality Will Prevail, do Reino Unido (mais concretamente do País de Gales) e trouxeram ainda mais agitação com o seu hardcore musculado e vitaminado. Com o quinto álbum às costas (“In Dark Places”), a banda passeou pelo seu repertório confortavelmente e tendo uma boa recepção em qualquer uma das escolhas – da nossa parte destacamos a “Path” e “Casket”. Era um som que convidava ao movimento e acção – os próprios membros da banda estavam imparáveis, principalmente o vocalista, Louis Gauthier, que parecia estar numa autêntica aula de ginástica intensiva, saltando de um lado para o outro, indo para perto do público e cantando com ele. Para quem ainda não estava bem acordado, este despertar foi bem eficaz.
Caso houvesse ainda quem estivesse com dificuldades em concentrar-se no momento presente, a banda que se seguia tratou de trazer todos de volta à terra. Os Hills Have Eyes seriam uma escolha lógica para suceder aos Brutality Will Prevail. A banda portuguesa pode ter menos tempo de carreira que os britânicos, menos álbuns lançados mas o seu entusiasmo e a sua energia são ímpares e fazem frente a qualquer projecto internacional. “Antebellum” foi o terceiro álbum de originais que coroou uma evolução constante, lançado já em 2015, e ao vivo a banda demonstra ser verdadeiramente veterana na arte de cativar e engajar o público.
Curiosamente a banda foi avisada por pessoas próximas que o Vagos seria uma escolha arriscada, que não seria bem recebidos. Ora aqui está a magia do Vagos Metal Fest, algo que vamos explorar mais à frente em pormenor. A organização apostou na diversividade, uma aposta que por vezes nem sempre resulta mas que neste segundo dia correu na perfeição. A banda portuguesa foi bem recebida e recebeu de volta toda da muita energia que enviou do palco. “Never Quit”, o mais recente single da banda, foi um dos temas que mais destacamos, não só pela mensagem como também pela reacção que conseguiu provocar num público rendido à banda portuguesa que saiu de coração cheio pelo carinho dado. Nem crowd surfing por parte do vocalista Fábio Batista faltou. Merecida apoteose!
A magia que falámos atrás vem sobretudo pela forma como todas as bandas foram recebidas, sem excepção. Depois de um início de dia com os Implore, Brutality Will Prevail e Hills Have Eyes, seria expectável que uma banda de heavy/thrash metal tradicional não tivesse o impacto que teve. A banda norte-americana Metal Church entrou com “Fake Healer” do clássico “Blessing In Disguise” e foi recebida em apoteose pelo mesmo público que tinha ido ao rubro com propostas de hardcore e metalcore – algo que não é muito comum de encontrar.
O tempo era curto para que uma banda com uma carreira tão grande e ilustre pudesse focar todos os pontos essenciais (e na nossa opinião, o tema-título do álbum de 1991, “The Human Factor” ficou a faltar), mas o balanço entre os temas antigos e os do último trabalho, já datado de 2016, “XI” foi perfeito. Destacamos como boa representação desse equilíbrio as rendições de “Start The Fire” (do álbum clássico, “The Dark”) e “Killing Your Time” (do já mencionado “XI”). Mike Howe foi incansável, tanto na perfeição da sua entrega vocal como na simpatia e toda a banda esteve ao seu mais alto nível, num actuação praticamente sem falhas e cheia de classe por parte de um dos nomes clássicos do metal norte-americano.
Era tempo de mais uma viragem estilística e apresentar uma das bandas mais aguardadas deste segundo dia: Primordial. A banda irlandesa tem uma relação próxima com o nosso país (como referiu Alan “Nemtheanga” numa das suas muitas intervenções), vindo visitar-nos frequentemente, mas nem por isso um concerto deles perde o seu impacto ou importância como ficou comprovado neste segundo dia. Músicas épicas, capazes de envolver até mesmo os mais resistentes, o metal único dos Primordial tem o dom de nos fazer transportar a outras terras e a outros tempos. O alinhamento não foi surpreendente mas ninguém se pareceu importar com esse facto.
“Where Greater Men Have Fallen” tratou de fazer as apresentações para o que seria a actuação da banda: intensa, dramática. Memorável. Não fossem alguns problemas com o microfone que teimava falhar em algumas das músicas – principalmente na “Coffin Ships” e na “Gods To The Godless” – e teria sido um concerto perfeito. Mesmo assim, esses problemas foram superados com graça e sem grande problema, tornando-se apenas uma pequena nota de rodapé. Um grande concerto por parte de uma banda que é e será sempre bem vinda. E foi essa a sensação com que os Primordial saíram do palco.
Passar do metal épico e tingido a cores folk dos Primordial para os ambientes festivos do folk metal dos Korpiklaani foi quase como uma diferença da noite para o dia (ou vice-versa já que os Primordial tocaram quando o dia dava os últimos suspiros). O ambiente soturno da banda irlandesa deu lugar a uma autêntica festa por parte dos finlandeses que praticamente despejaram o seu repertório sem grandes conversas. Ninguém se queixou, a música fala realmente mais alto e quando temos bailaricos provocados pela vasta trupe finlandesa, não há nenhuma alternativa a não ser obedecer.
Com a ajuda de um som fantástico – que nos deu ideia que estava algo mais baixo mas será essa uma das razões do sucesso, já que o violino e o acordeão soavam totalmente integrados com os outros instrumentos mais metálicos – e com uma música que convida à festa, o entusiasmo foi contagiante e provocou um número recorde de crowd surfing onde as mulheres eram quem se aventurava mais. Não podemos falar em surpresa já que a banda entregou precisamente o que se esperava (até mesmo no alinhamento, muito próximo daquilo que se pode ouvir no último álbum ao vivo que será lançado oficialmente no próximo dia 25 do presente mês. Festa, onde não faltaram as inevitáveis “Vodka” e “Beer Beer” a fechar, que elevou a fasquia bastante para as actuações seguintes.
Soulfly eram a banda que se destacava deste segundo dia e a mais aguardada por muitos. Isso notou-se logo quando a banda entrou em palco – principalmente quando Max Cavalera entrou. “Blood, Fire, War, Hate” foi o mote para o início de muitos circle pits, a maior constante ao longo deste concerto. O som estava forte, apesar de alguns problemas no início com a guitarra de Max – que também na maior parte das vezes serve apenas como decoração. Constante também foi a nuvem de pó a pairar em frente ao palco, fruto de uma roda interminável (e incansável) que ia subsistindo ao som de temas como “We Sold Our Souls For Metal”, “Prophecy” (recebida efusivamente pelo público) e “Seek’N’Strike”.
Uma palavra também tem de ser dada para a restante banda. Mike Leon, baixista, esteve extremamente seguro e coeso (talvez não se esperaria que um baixista sobressaísse tanto numa banda com dois guitarristas mas como já foi dito atrás, a guitarra de Max trabalhou muito pouco), Marc Rizzo é aquele monstro das seis cordas que dispensa apresentações, a brilhar em todos os momentos, e uma palavra especial para Zyon Cavalera. Para quem pensava que o jovem estava na banda apenas por ser filho de Max é porque nunca o viu tocar ao vivo. Uma autêntica máquina debulhadora que até dava gosto observar. Mesmo quem não seja fã absoluto da banda, ou dos seus primeiros tempos, teria de ficar rendido perante o seu poder em cima de um palco (principalmente quando revisitaram Sepultura com uma “Refuse/Resist”, que até deu para no final ter um cheirinho à “The Trooper” dos Iron Maiden. Fica apenas como nota a curiosidade de ninguém ter dito a Max que estava em Vagos e não no Porto. Minúcias.
A debandada foi visível, após o final de Soulfly mas a noite estava longe de acabar, principalmente quando ainda faltavam os Powerwolf que deram, na nossa opinião, o melhor concerto do dia e um dos melhores do festival até então. Foi mais um excelente exemplo da tal magia de Vagos que temos vindo a falar. Uma da manhã, cansaço acumulado, frio… e tudo isso ficou de parte assim que a banda teutónica entra em palco. O power metal dos Powerwolf é bastante carismático e diferente da norma, seja pela temática seja pela forma como usam o humor, que foi uma constante ao longo de mais de uma hora.
O alinhamento foi uma versão resumida do último álbum ao vivo da banda, “The Metal Mass – Live” e não deixou nenhum dos presentes indiferentes. Com um Atilla Dorn, vocalista, bastante engraçado nas incursões ao público e com um Falk Maria Schlegel, teclista, a ser quase um segundo frontman mudo, foi uma autêntica festa, onde houve espaço até para o público participar fazendo com que a banda alemã ficasse rendida aos dotes vocais evidenciados pelos fãs lusos. Segundo Atilla, a última vez que tiveram cá foi há doze anos atrás (demasiado tempo!) e depois da noite de ontem e se depender deles, cedo voltarão cá – contando que exista interesse por parte dos promotores, claro. Um dos grandes concertos de todo o dia, verdadeiramente mágico.
A noite aproximava-se do fim e tudo aquilo que os Powerwolf tinham afastado, voltou, acrescido de uma certa dose de impaciência. O soundcheck dos Batushka demorou demasiado tempo (quase uma hora) e muitos desistirão de ver a banda polaca que teimava em demorar a subir ao palco. Já passava das três da manhã quando isso finalmente aconteceu. Para os mais resistentes, podemos dizer que a paciência (e o esforço) valeu bem a pena já que a banda tem uma dose de ritualismo e uma componente teatral que eleva a sua música a um nível superior. Até certo ponto.
Todos os oito membros do palco ficam algo estáticos, o que faz com que se sinta que não se está a ouvir aquilo que se está a ver. O efeito curiosidade dura alguns momentos mas depois, perante a sensação de que se está quase a observar um quadro, o interesse poderá esmorecer. Por outro lado, a abordagem ao black metal por parte da banda é, mais que original, refrescante, tanto a nível de temáticas como da própria sonoridade em si. Os Batushka têm apenas um álbum editado (já de 2015, “Litourgiya”), pelo que nos deixa curiosos como irão sair do, aparentemente, beco sem saída onde parecem estar. Ainda assim, e tirando a questão do enorme e doloroso atraso, foi um fecho com chave-de-ouro. Prontos para o terceiro e último dia!
Reportagem por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
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