WOM Entrevista – Living Tales
Poderá ser um lugar comum mas a verdade é que ainda nos conseguimos surpreender com qualidade da música que é feita cá. Não é tanto duvidar do nosso valor ou de não estar a par do que é feito em Portugal mas de encontrarmos constantemente trabalhos que nos fazem sentir como uma criança deslumbrada que acabou de ver pela primeira vez algo que a fascinou. Foi o que nos aconteceu depois tomarmos contacto com “Mirror”, o segundo álbum dos Living Tales, uma banda cujo primeiro álbum nos passou despercebido mas que este segundo, passado oito anos, nos surge com uma qualidade que nos deixou completamente maravilhados e como tal, obviamente que tivemos que ir falar com eles, sendo que foi Luís Oliveira (guitarrista e membro fundador) e Sílvia Bellora (vocalista) que atendeu ao nosso chamado
Olá pessoal e bem vindos ao nosso World Of Metal. Devo começar por vos dizer, sem querer deixar os vossos egos lá em cima (mas se acontecer até é justo), que vocês foram uma das grandes surpresas para mim em 2020, pelo menos até agora. O vosso álbum de estreia passou-me ao lado na altura em que foi lançado mas agora com “Mirror” fiquei completamente fã! E sente-se que este foi trabalho muito bem pensado e idealizado antes de ser lançado. Confere com a realidade?
Luís – Olá, antes de mais queremos agradecer a World of Metal por esta oportunidade e pelas bonitas palavras sobre o nosso trabalho, um muito, muito obrigado… Relativamente a questão colocada, sim o álbum foi pensado, planeado há já algum tempo, poderíamos dizer que muita coisa já estava pensada desde o primeiro trabalho, demorou, mas está cá fora, estamos bastantes satisfeitos com o trabalho, obviamente, como qualquer músico, ou artista em qualquer ramo, nunca é um trabalho acabado, depois de o fazer pensamos sempre que podíamos ter feito mais aqui ou acolá, contudo, não é essa a prerrogativa do artista? Um ser “insatisfeito” um trabalho sempre inacabado… Mas isso não invalida que o resultado não nos dê aquele orgulho no peito de satisfação, que dá e bastante…
O intervalo entre os dois trabalhos é realmente enorme, no entanto não é um cenário estranho dentro do panorama nacional. No vosso caso, o facto de terem mudado praticamente todo o alinhamento (excetuando pelo Luís) estará na base desse facto, não?
Luís – Bem, podemos dizer que isso e muitos outros fatores alheios à nossa vontade interferiram na demora do trabalho, os últimos 5 / 6 anos da banda. Além das dificuldades normais em conciliar a vida pessoal e profissional com a música, quando esta não é a nossa primeira atividade por assim dizer, torna algumas decisões mais difíceis de tomar e de executar, o que repito, é o mais do que normal nestas circunstâncias. Depois houve outras situações como longas lesões que impediram alguns dos membros da banda tocar durante bastante tempo em períodos diferentes, e claro no meio dessas viravoltas a vida a acontece, as pessoas tem de seguir o seu caminho pessoal, perseguir novos objetivos de vida e isso também levou pouco a pouco a saída de quase toda a formação inicial da banda, de forma saudável e natural, mas claro foi fazendo com que as coisas fossem atrasando. No entanto fica a grande amizade que nos uniu a todos desde um primeiro momento, e aqui podemos aplicar aquela velha máxima, em tom de clichê e dizer que uma vez um Living Tales, para sempre Living Tales… (risos) mas se há algo de que nos podemos orgulhar é que os ex-membros da banda foram, são sempre serão um suporte muito grande para Living Tales, precisamente pelo carinho e amizade nos une a todos, que faz com que todos no demos muito bem o que torna tudo mais fácil e acolhedor estar em Living Tales, podemos sempre contar uns com os outros, e isso é algo que não tem preço…
Quanto deste trabalho é fruto deste alinhamento? Há ideias que já vêm de anteriormente ou todos puderam dar o seu contributo em termos criativos?
Luís – Bem, como tinha sido comentado anteriormente, muita coisa deste trabalho já estava pensada desde o lançamento do primeiro álbum (EP), podemos dizer que algumas músicas já tinham sido compostas nessa altura, como é o caso da “Fairy Tale” por exemplo, que curiosamente foi a segunda musica composta pela banda 12 anos atras… É o exemplo perfeito, pois mostra que embora muitas coisas tivessem sido pensadas ou escritas há muito tempo, isso não impediu de todo o contributo dos novos membros da banda, arranjos, pequenas alterações aqui, grandes alterações acolá, por exemplo esta música levou um arranjo de voz muito diferente do original e fazendo com que soasse diferente daquilo que inicialmente estava composto. Do lado oposto temos o exemplo da música “The Curse”, com a que abrimos o álbum, que foi das mais recentes composições da banda e cuja estrutura final, melodia final, letra, arranjos finais, já foi feito por esta formação… podemos dizer de forma inequívoca que muitas das bases das composições vieram do passado, o que não é mau, pois ali estava sustentado o conceito, a sonoridade musical que banda procura e gosta, e isso permitiu também aos novos membros entrarem no esquema musical e absorver a “cultura” de Living Tales com toda a naturalidade. Consequentemente permitindo que todos dessem o seu contributo, complementando as musicas, ou acabando-as, participando ativamente nos arranjos e mexidas na composição e estrutura das mesmas, com o cunho pessoal de cada um dos elementos atuais da banda… portanto tal como está expresso no nosso CD este álbum tem 9 compositores, com muito orgulho… penso que nesse patamar já nos superamos… (risos)
A junção da sonoridade mais progressiva com alguns aspectos do metal gótico e sinfónico soa bastante refrescante. Quais foram as vossas influências e referências?
Luís – O mais interessante da banda e dos seus membros, tanto a formação antiga como a recente, é que não temos todos gostos assim tão parecidos, o que acaba por tornar interessante abordagem de cada um perante uma malha musical qualquer, então funcionamos como aquele conceito inglês de “melting pot”, onde simplesmente atiramos qualquer ideia para o “balde” e misturamos a ver o que sai… e depois, assim como um oleiro, começamos a moldar as diferentes ideias da sobre a forma do “vaso”, e é interessante pois aqui vê-se como os gostos pessoais de cada um dão um perceção tão distinta sobre a mesma malha, acabando por muitas vezes conseguir identificar varias influencias numa musica, e são identificáveis algumas, como Iron Maiden ou Megadeth, ou mais Within Temptation / Nightwish, ou Lacuna Coil, ou Dream Theater, Rush, Led Zeppelin, Ozzy Osbourne, Deep Purple, mais alguma ou outra coisa de power metal ou outros géneros do metal e por ai fora, até influencias celtas se encontram… (risos) … penso que seria divertido dissecar cada uma das musicas por influencias, que iriamos encontrar estas e muitos outras, precisamente por causa desta diversidade musical que existe no seio da banda, que embora muitas naturalmente não são assim tão percetíveis para fora, mas estão lá, o que internamente dá sempre aquele extra de gozo a tocar as musicas…
Silvia, sendo italiana, como foi integrares o papel de destaque de vocalista numa banda de metal portuguesa? Era algo que tinhas antecipado acontecer quando te mudaste para Portugal?
Sílvia – Quando me mudei para Portugal há 6 anos nem falava português e isto tornou as coisas um bocado difíceis no início. Na Itália era vocalista duma banda rock anos ’80 e nunca desisti da ideia de ter um projeto também aqui em Portugal. Uma amiga em comum com o Luis deu-me a conhecer o projeto dos Living Tales e fiquei logo fã… só não estava a espera que me escolhessem como a vocalista! (risos) Estou na banda desde 2016 e tem sido uma experiencia única. Para já posso dizer que o público português tem-me acolhido bem, mas não nego que ao começar a falar percebem logo que não sou portuguesa (risos). Normalmente isto gera curiosidade nas pessoas o que acho, torna-se positivo pela banda.
Luís, tu sendo o principal estratega da banda e o único membro original, calculo que não tenha sido fácil lidar com todas estas entradas e saídas da banda?
Luís – Isso dito assim até me faz sentir importante… (risos) … nem em casa quanto mais na banda… (mais risos) … mas respondendo a questão com a máxima seriedade possível (continuo a rir)… sim, confesso que não foi fácil, houve momentos de bastante stress, mas a minha maneira de lidar com as coisas é focar-me no trabalho e no que tem de ser feito e sendo uma pessoa muito determinada, persistente e metódico facilitou-me esta transição, claro nestas alturas também sou mais obstinado e fico um bocadinho mais difícil de aturar (todos no chão a rir, porque será?)… mas claro, ver as coisas acontecer, sai um, casting, sai outro, casting, mais um, casting… foi cansativo, houve alguns momentos em que me questionei se valeria a pena continuar com isto, mas depois penso todo o esforço feito por todos os que passaram na banda, desde os primeiros aos últimos, não seria justo morrer na praia, muito menos para mim que sentiria o peso da desilusão para comigo e para com os outros. Portanto, tive de puxar dos galões e pôr perninhas ao caminho, para que todos pudéssemos tocar, gravar o álbum e dar continuidade a esta história… e hoje aqui estamos, não sabemos onde nos vai levar, se é que os vai levar algum lado, mas uma coisa é certa, em frente é o caminho e para la iremos, o que quer que isso nos reserve, penso que não há que ter medo. Gosto de pensar que uma banda como nos, que não tem qualquer projeção, nem nome na praça, que passou por estas dificuldade desde muito cedo, quando nem sequer estava ou está estabelecida, a procurar o seu espaço no meio e no mundo, que basicamente 12 anos depois está a dar os primeiros passos de novo e não desiste… então estamos preparados para qualquer coisa… pois já sabemos que vai ser sempre difícil, já contamos com isso, portanto será sempre apenas mais um obstáculo que temos de ultrapassar para seguir em frente, produzir a nossa musica e entrega-la ao mudo, a partir dai, que seja o que tiver de ser…
Lançaram o trabalho de forma independente, em formato digital e em CD através do Bandcamp. Esta foi a vossa escolha de início ou procuraram encontrar uma editora que apostasse em “Mirror”?
Luís – Bom, podemos dizer que foi uma escolha e uma necessidade ao mesmo tempo, por dois motivos, um porque não temos nada assinado com nenhuma editora, e segundo, pois procurar uma editora que quisesse trabalhar connosco, pegar logo no material ir para estúdio e gravar, penso que ia ser muito demorado, pois estes anos de “hiato” entre álbuns em nada favoreceram a possibilidade de construir uma audiência e de alguma editora apostar em nos para desenvolver o trabalho mais alem, pelo que a necessidade de lançar álbum sem muito mais demoras era grande, assim acabamos nos mesmos por produzir tudo, claro alguns momentos tivemos alguma ajuda e orientação do estúdio onde gravamos, mas metemos mãos a obra nos mesmos para pôr este álbum ca fora, a titulo independente e arriscar dessa forma. Agora daqui para a frente vamos ver o que acontece… esperemos que seja a sempre a subir (risos)…, mas de forma saudável e sustentável, é algo que queremos que dure muito tempo e as coisas para durar também demoram a ser construídas pois tem de ter bases solidas, mas sempre com muito trabalho, dedicação e sacrifícios…
Infelizmente o álbum foi lançado numa altura em que nos caiu em cima o Corona. Ponderaram adiar o lançamento do álbum?
Sílvia – Infelizmente o lançamento do álbum em forma digital já estava feito, assim como estava programado o concerto de apresentação no Canecas Bar (Paços de Ferreira) para dia 14 de Março. Em conjunto com a banda convidada e o Canecas achamos que o melhor seria adiar o concerto, além do perigo para as bandas e o staff seria imprudente colocar em causa a segurança e a saúde de todos. Quanto ao estado de emergência acabar e for possível queremos dar na mesma o concerto de apresentação oficial. Vai ser brutal!
Qual a vossa visão das consequências que esta pandemia vai trazer à vossa cena?
Sílvia – Este período que estamos a viver é muito difícil para todos e para a economia em geral. No nosso caso a consequência mais direta consiste no facto que não podemos dar concertos durante estes meses e assim partilhar o nosso recente trabalho com o público português. Estamos a tentar partilhar o álbum digitalmente o mais possível, de forma a aproveitar este período de paragem dos palcos. Esperamos voltar em breve a atuar, pois como todos os músicos temos imensas saudades! Neste momento nem podemos ensaiar juntos e isto é o nos que custa mais.
Na minha opinião, o vosso som não se fica nada atrás do que se faz pela Europa, muito pelo contrário. A internacionalização é um objectivo?
Sílvia – Obrigado!! Embora não sejamos famosos, graças as novas tecnologias o nosso trabalho está a espalhar-se… No Spotify já temos ouvintes na Europa, mas também no Brasil e nos Estados Unidos o nosso cd tem sido comprado online no Google Play e Apple Music. Até houve uma radio do Texas a passar as nossas músicas e não posso negar que ficamos muito orgulhosos … pelo que respondendo a questão, sim é um objetivo claramente…
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