Utopia Platafórmica – Geist of Ouachita / Plainchant / Gauntlet Ring
Por Daniel Pinheiro
Utopia Platafórmica
Geist of Ouachita – “Imprisoned in the Graven Wood”
(Signal Rex, 2023)
Por altura, um nome como Roanoke deveria ser conhecido por todos os que gostam de Black Metal underground, especialmente se forem fãs da cena USBM mais contemporânea. Homem de mil projectos (Northern Solitude, Thy Heart, Thine Kingdom e Till são os meus favoritos), Roanoke tem vindo a juntar forças com nomes como Palisades, Sanguinous Moth, Peregrinus e Croatoan, entre outros músicos norte-americanos e europeus. Em suma, o homem é uma espécie de workaholic quando se trata de criar Black Metal.
Geist of Ouachita pode ser traduzido – grosso modo – como Espírito das Montanhas Ouachita, uma cadeia de montanhas no oeste do Arkansas e sudeste de Oklahoma. Louis R. Harlan disse uma vez que Ouachita é composta de Ouac (búfalo) e Chito (grande), o que significaria “país dos grandes búfalos”. E como é que tudo isto se resume e se relaciona com um projeto de Black Metal? A música de Roanake sempre me pareceu estar ligada a uma planície espiritual, um mundo do além. A sua música irradia melodias que são de outro mundo e hipnotizantes, invocando velhos espíritos e velhas emoções. Há todo um “culto musical” por detrás das montanhas e da sua ligação aos espíritos, um pouco como Portugal e a Serra de Sintra ou a Serra da Estrela. Uma porta de entrada para as estrelas.
A música dos Geist of Ouachita tem uma melodia que eu relaciono, de imediato, com o som dos USBM, e com o seu mentor, claro. É um som Black Metal melódico, mas áspero. Atmosferas desenhadas a partir de baterias ritmadas, vocais quase xamânicos, riffs de guitarra melódicos e intensos. Não diria que existe algum tipo de ligação entre o artista e a nação nativa, mas compreendo o peso da herança histórica tradicional.
Geist of Ouachita toca Black Metal Melódico com muita classe. Indo do ritmo médio para uma versão mais rápida de seu som, Roanoke é um mestre nessas transições, e o homem as cria para parecer nada menos que mágico. A última faixa, “Imprisoned in the Graven Wood” fechou o álbum na perfeição. Um golpe visceral e feroz na cara, a produção é crua mas audível, o que a torna uma experiência muito agradável. E é aí que residem muitos dos problemas que eu tenho com a cena moderna do Raw Black Metal (chamem-lhe assim, se quiserem): a necessidade de soar cru leva os músicos, por vezes, a um ponto em que a música já não é música… é ruído. Geist of Ouachita – juntamente com todos os projectos de Roanoke – nunca cai nesse poço sem fundo de ruído cru e insuportável onde muitas – demasiadas – bandas de Black Metal caem. Isto faz-me concluir que algumas pessoas não conhecem o verdadeiro significado de Raw Black Metal.
A última faixa termina com uma peça de teclado curta, mas calmante, que liga, na minha modesta opinião, a música ao mundo das energias espirituais. Tudo isto pode parecer disparatado, fora do sítio e completamente errado, mas as energias que fluem à volta da música são reais… (8/10)
Plainchant – “Frontier”
(Pile of Heads Productions, 2023)
Tenho tendência a ficar cativado por músicos de Black Metal que conseguem transmitir, com a sua música, uma localização geográfica, uma era histórica, a herança dos homens e todas as coisas da Natureza. Os EUA têm provado ser capazes de o fazer, e os Plainchant são um ótimo exemplo de como a música se pode tornar o som da Natureza e da herança ancestral. Os Plainchant lançaram, só este ano, 2 EPs fantásticos, e o primeiro álbum foi lançado há menos de um mês, através da Pile of Heads Productions.
O som da banda gira em torno – pelo que percebi – da luta dos homens contra a modernidade e a perda da sua herança e identidade. Assim que vi o título do álbum e a capa, pensei imediatamente na era das colónias e em alcançar essa fronteira, esse objetivo. Plainchant sempre emanou essas emoções de Dor e Desolação, Morte e Desespero.
Musicalmente falando, o duo continua a estruturar/crescer o seu som, baseado em atmosferas particulares e pormenores de Black Metal “moderno”. Um som lento, passando por momentos mais limpos e linhas de teclados que dão força e alma à música. Alma talvez seja uma das melhores palavras para descrever o som da banda. O teclado funciona como um feixe de luz que guia as almas perdidas na noite, preenchendo os espaços vazios entre as notas. O som da banda é tremendo, e junto com Hinterland (os mesmos dois músicos, é claro) prova ser um dos melhores Black Metal a sair nos últimos anos. Livre das “correntes” do movimento Raw Black Metal (se é que isso existe), Plainchant – e Hinterland também – vive numa bolha existencial diferente e separada.
Em suma, os Plainchant podem ter, facilmente, entregado um dos melhores discos que ouvi este ano, seja ele Trve Kvlt Black Metal ou não, acho estes rapazes soberbos no que fazem, sem dúvida. As melodias são suaves, emocionais, duras, agressivas quando necessário. E aí reside um dos melhores trunfos da dupla: a capacidade de provocar reacções emocionais. Muito bom, sem dúvida. (9/10)
Gauntlet Ring – “Raped in the Blood of Angels”
(Blood and Crescent Productions, 2023)
A cena USBM, outrora maioritariamente ignorada em detrimento de várias cenas europeias, está a provar que as pessoas estavam/estão erradas, e a fornecer-nos imensa qualidade. Espero que os fãs mais jovens de Black Metal conheçam nomes como Judas Iscariot e Absu, por exemplo, ou VON e Profanatica. Isto mostra que os EUA sempre tiveram excelentes músicos e bandas de Black Metal, mas a Europa – compreensivelmente – sempre levou “o prémio”. Olá, Noruega… ainda te amo.
Arbor, Fellwinter e Gauntlet Ring têm um nome em comum: Taurus. Se ainda não tiveram a oportunidade de verificar estes nomes, por favor vão em frente, todos os três são incrivelmente perfeitos e todos os três foram capazes de fundir eras de Black Metal sem soar demasiado antigo ou demasiado contemporâneo. Eu, honestamente, vejo estas bandas como o topo do USBM atual. Muitos vão discordar e cuspir nomes como Lamp of Murmur, Ebony Pendant, Megalith Grave, etc. No entanto, a atmosfera é muito singular no sentido em que é construída à volta de melodias que quase descrevem um cerco de desolação e melancolia. Melancolia é, sim, uma palavra que eu considero adequada para a música de Gauntlet Ring.
Por outro lado, uma faixa como “Our Dark Kingdom”, perto do fim, soa refrescante, mas próxima das raízes do género. O mais recente lançamento de Gauntlet Ring carrega a chama dos seus lançamentos anteriores – e empreendimentos musicais relacionados – mantendo o poder severo do Black Metal, e melodias mais suaves e momentos mais calmos.
Permitam-me lembrar que “Beyond the Veil of the Night” foi o lançamento anterior da dupla, e que será sempre um marco para a qualidade da banda. Os riffs de guitarra são tremendamente poderosos e adoro a maneira como eles comandam a ambiência e o fluxo das faixas. As vocalizações, como sempre, destacam-se. Mais uma vez, “Our Dark Kingdom” é um ótimo exemplo de como a colocação vocal de Taurus é boa. Bem… é fácil perceber que seja o que for que estes rapazes criem, eu estarei lá na fila da frente. (9/10)
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