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Rock Zone – Trold, Sainted Sinners, Ancient Settlers, Lynch Mob, Aittala

Rock Zone é um programa de rádio na Rádio Alta Tensão e na Songs For The Deaf Radio da autoria de Miguel Correia e todos os meses, estes são os seus destaques.

Trold – “Til Gilde Under Ulven (Live at Copenhell ’25)”
Target / Mighty Music

No Copenhell 2025 houve muita música, muito calor e muita cerveja, mas poucos concertos deixaram o público tão desorientado de felicidade como o dos Trold. Era uma tarde soalheira em Refshaleøen, o sol estava a brilhar como se fosse patrocinado pelos próprios deuses nórdicos e, de repente, surge uma horda de trolls armada com guitarras, confetti e fogo. Resultado: o palco Hades transformou-se num folclore delirante que ninguém vai esquecer tão cedo.

“Til Gilde Under Ulven (Live At Copenhell ’25)” é a tentativa muito bem-sucedida de capturar esse momento mágico e engarrafar a essência troll para que todos possam voltar a beber dela. E a verdade é que funciona, porque este registo ao vivo soa exatamente como uma festa épica apanhada a meio caminho entre uma taberna encantada e um ritual de celebração na floresta. Os próprios Trold continuam a falar daquele dia como se tivesse sido um encontro entre humanos, trolls e fogo, algo mais próximo de um banquete místico do que um concerto tradicional. E é exatamente essa sensação que o álbum consegue transmitir. Desde os primeiros segundos percebe-se que nada foi polido em excesso, nada foi domesticado, tudo está tão cru que quase dá para sentir o cheiro da terra levantada no meio da multidão.

Musicalmente, o disco mistura guitarras poderosas com melodias folk que pintam a atmosfera com aquele brilho mágico tão característico da banda. A bateria soa como se estivesse a invocar espíritos antigos e o coro natural do público funciona como mais um instrumento, contribuindo para o caos controlado que marcou a atuação. Os singles lançados antes do álbum deram um bom aperitivo. “Sensommerbålet” é um dos grandes destaques, sobretudo pela cumplicidade entre banda e público. Já “Den Gamle Sump (Medley)” mostra a evolução técnica dos Trold com uma fluidez que liga o passado ao presente de forma quase natural. A setlist completa inclui catorze faixas, entre elas favoritas como “Troldmanden”, “I Skovens Rige”, “Med Høtyv Og Fakkel” e “Heksen”, todas envolvidas naquele ambiente de festa pagã com cheiro a pinho, fogo e cerveja fresca.

Tudo indica que “Til Gilde Under Ulven (Live At Copenhell ’25)” vai tornar-se num dos registos ao vivo mais celebrados do ano no universo do folk metal. O álbum não só revive um dos momentos mais vibrantes da carreira da banda como também promete fazer muita gente erguer a sua caneca imaginária e gritar em uníssono quando o lobo uivar novamente.

 

   

Sainted Sinners – “High On Fire”
ROAR – Rock Of Angels Records!

“High On Fire” marca o regresso dos Sainted Sinners com uma formação de luxo que junta nomes vindos de Bonfire, Tygers of Pan Tang, Gotthard e Axel Rudi Pell. A banda nasceu em 2016 e passou por algumas mudanças, mas manteve sempre a bússola: criar hard rock clássico com alma, técnica e aquele sabor vintage que nunca sai de moda. O novo álbum segue precisamente esse caminho, mergulhando entre classic rock e melodic rock, sempre com o foco em guitarras ardentes e energia à antiga. Frank Pané brilha de forma especial, com solos que vão do feeling inspirado em Ritchie Blackmore ao ataque virtuoso que faria Van Halen sorrir. Jack Meile assume a voz com segurança e carisma, apoiado por teclados emocionais de Ernesto Ghezzi que acrescentam o toque Hammond perfeito.

O disco abre com “Crown of Thorns”, um tema que mostra claramente para onde a banda quer ir. Depois surgem momentos mais melódicos como “Out of the Blue”, a malha AOR “Night After Night” e a alma bluesy de “Sunshine”. “Hide in the Dark” traz cordas e um ambiente mais cinematográfico, enquanto “Who Are You”, versão de The Who, destaca-se pela intensidade e espírito rockeiro. A banda descreve “High On Fire” como um testemunho da sua paixão pelo rock, sentimento que fica bem evidente na produção nítida, na entrega dos músicos e no single “Lost in a Storm”, que oferece um lado mais pesado e atmosférico, inspirado nos primeiros tempos de Black Sabbath.

Para fãs de Rainbow, Whitesnake, Led Zeppelin, Deep Purple e Night Flight Orchestra, este álbum é uma celebração moderna de tudo aquilo que faz o hard rock clássico continuar vivo. “High On Fire” é um disco que respira dedicação, groove e chama, mostrando que os Sainted Sinners continuam cheios de fogo para dar.

Ancient Settlers – “Autumnus (Revisited)”
Scarlet Records

Os Ancient Settlers regressam com “Autumnus (Revisited)” e mostram que revisitar o passado pode ser muito mais do que polir memórias. O EP retoma o trabalho de 2021, agora com produção moderna, novas camadas emocionais e arranjos que dão nova vida a cada faixa. O resultado é uma explosão de melodic death metal que mistura intensidade, atmosfera e uma maturidade artística evidente. A banda, que junta músicos espanhóis e venezuelanos, continua a afirmar-se como uma das propostas mais interessantes do metal moderno. A dupla vocal de Noelia FJ e Nia Creak alterna entre guturais ferozes e passagens limpas carregadas de emoção. As guitarras de Carlos Chiesa Estomba e Agustín Martínez trazem riffs intrincados e leads épicos, sustentados pelo baixo expressivo de Enric Juan e pela bateria precisa e destrutiva de Herman Riera.

O EP abre com uma introdução sombria que estabelece a narrativa de decadência e renascimento antes de entrar em “A Monument Restored”. A reinterpretação amplifica o impacto melódico do tema, agora com maior clareza e profundidade. Em “Die Around Me”, a atmosfera quase futurista dá lugar a um ataque rítmico envolvente, criando uma das faixas mais marcantes deste conjunto. “Diamond Eyes” surge carregada de peso cinematográfico, com uma intensidade que aproxima o tema de um clímax apocalíptico digno de uma batalha épica. O desfecho desacelera o pulso e deixa espaço para absorver a viagem, embora a vontade imediata seja carregar novamente no play. “Autumnus (Revisited)” é uma reafirmação da identidade e evolução dos Ancient Settlers, mostrando como o melodic death metal pode ser simultaneamente técnico, emocional e grandioso. Um EP curto, direto e perfeito para quem procura intensidade moderna com alma melódica.

Lynch Mob – “Dacing With The Devil”
Frontiers Music

Os Lynch Mob entraram nos últimos anos com vontade de provar que ainda têm muito fogo para acender. “Babylon” em 2023 marcou um regresso sólido ao hard rock musculado que sempre definiu a banda. “Dancing With The Devil” em 2025 chega como o grande fechar de cortina, embalado por riffs à moda antiga, energia renovada e um espírito de celebração do seu legado. “Babylon” trouxe uma banda focada, com George Lynch a disparar solos carregados de classe e Gabriel Colón a mostrar que é a melhor escolha possível para a nova fase vocal. Faixas como “Erase”, “Million Miles Away” e a poderosa “Babylon” misturam groove bluesy com peso metálico, criando um álbum equilibrado, intenso e claramente guitarrístico. A crítica elogiou a produção mais orientada para canções e a forma como o grupo recupera a essência sem parecer preso ao passado.

Já “Dancing With The Devil” funciona como o brinde final, uma despedida com atitude e confiança. Com a mesma formação de “Babylon”, o disco regressa ao ADN blues-rock da banda, cheio de riffs abrasivos e aquela sensação vintage que remete para os tempos de “Wicked Sensation”. “Pictures of The Dead” chega com swagger, “Follow Me Down” traz um refrão que cola na memória e “Golden Mirror” oferece uma pausa instrumental com sabor exótico e personalidade própria. A edição europeia ainda acrescenta “Somewhere” para fechar tudo com mais um toque emocional.

A crítica tem sido clara: George Lynch continua em grande forma, a química com Colón funciona na perfeição e este derradeiro capítulo apresenta a banda com alma, energia e intenção. Se esta for mesmo a despedida, é uma saída em grande, feita com peso, melodia e aquela confiança madura de quem sabe exatamente de onde veio e o que deixa para trás.

AITTALA: “Machines” / “Ill-Gotten Gains”
Exitus Stratagem Records

Os AITTALA marcaram 2025 não com um, mas dois EPs que mostram duas faces da mesma criatura sonora. “Machines” olha para o passado com orgulho, enquanto “Ill-Gotten Gains” mergulha de cabeça no lado mais sombrio da banda. O resultado é um ano particularmente inspirado para um grupo que nunca se deixou limitar por rótulos. “Machines” recupera temas escritos nos anos 90, gravados originalmente numa velha cassete de quatro pistas. A banda decide trazê-los de volta à vida com uma produção moderna que lhes dá uma força totalmente renovada. Há um charme nostálgico, uma energia quase progressiva à moda antiga, tudo sustentado pela assinatura pesada e envolvente que sempre definiu os AITTALA. É um EP que soa a arqueologia metálica feita com respeito e músculo.

“Ill-Gotten Gains”, lançado em novembro, mostra o grupo em modo sombrio e introspectivo. “Isolation” abre com peso doom e atmosfera sufocante, preparando terreno para a faixa título, que mistura riffs densos com uma crítica àqueles que prosperam no caos. “Blacklisted” traz groove lamacento, “Ever After” suaviza o ambiente com uma balada moderna sobre conflito interior e “Ashes” fecha com aquele toque clássico de heavy metal que parece saído de um romance trágico em marcha acelerada. A capa marca o regresso da mascote Frank, o porco demoníaco que simboliza na perfeição estes relatos de manipulação, queda e falsa redenção.

A imprensa destaca que “Ill-Gotten Gains” representa um passo ousado na evolução da banda, agora reforçada pelo baixista Dane Taylor, que adiciona uma frescura evidente ao som. Doom, groove, tradicional, progressivo, tudo encaixa numa narrativa sobre a mente humana e os seus becos escuros. Em conjunto, “Machines” e “Ill-Gotten Gains” mostram duas linhas temporais que se cruzam, o passado analógico e o presente emocionalmente carregado, sempre guiados pela visão de Eric Aittala e pela precisão de Gary Zeus Smith. Um ano forte para a banda e um par de EPs que confirmam, mais uma vez, que os AITTALA continuam impossíveis de encaixar numa única gaveta.


 

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