Crónica Editorial – Metallica e o Resto do Mundo
Eu tento, mas não consigo. É inevitável mas há certas coisas que tenho mesmo que dar os meus dois tostões. Não que tenha propriamente uma fortuna para gastar a torto e a direito mas às vezes não há outra volta a dar. Posto isto, é inevitável falar da mais recente confirmação para 2019, do regresso dos Metallica ao Estádio do Restelo, mais de vinte anos depois, onde os vi pela primeira vez num concerto que não me encheu as medidas. Ainda há pouco tempo recordei esses mesmos tempos e agora volto a partilhar. Nessa altura, os Metallica tinham lançado o polémico “Load”, muitos tinham detestado o novo som, assim como nova imagem. Confesso que gostei do álbum (e ainda gosto) embora, obviamente o sentisse uma proposta substancialmente diferente daquilo que me tinha chamado a atenção para o seu som. Talvez fruto dessa zanga com o seu público, os bilhetes do concerto desceram dos cinco contos e meio para cinco contos apenas (ou seja, dos 27,5€ para 25€). O estádio não encheu e a banda não trouxe a sua enorme produção de palco que os tinha acompanhado pelo resto da Europa (e mundo, já agora). Foi apenas a banda, o novo som, algum do som antigo e o público que apesar de tudo ainda os seguia. Soube a pouco.
Os Metallica nunca conseguiram reconquistar os fãs que perderam. Ganharam muitos mais é certo, mas muitos enjoaram de tantas vezes ouvir o “Nothing Else Matters” e a “Unforgiven” na rádio. Enjoaram sobretudo de ver as amigas que gostavam de U2 a entoar músicas dos seus Metallica. As coisas a partir daí não melhoraram. De líderes, acabaram por se tornar seguidores, quer na vertente mais southern, claramente inspirada por bandas como Corrosion Of Conformity ou levemente alternativa como uns Alice In Chains, bandas que de certa forma estiveram ligadas a Metallica nessa fase. Mais seguidores se tornaram por lançar a obra inacabada que é “St. Anger”, demo glorificada que vendeu milhões de cópias e viu a banda a tentar ganhar algum respeito entre as camadas mais novas, reconquistar algum respeito entre os que esperavam por algo mais pesado e a descrença total por parte de quem não acreditava que seria possível uma banda galáctica como aquelas deitar cá para fora uma flatulência cujo efeito nocivo chegou até à pobreza da arte gráfica. “Death Magnetic” foi mais bem sucedido nesse quesito embora ainda apresentasse algumas influências nefastas de “St. Anger” com músicas aborrecidas de oito minutos que nos dão vontade de tomar cianeto (pun intended!), num som estupidamente comprimido que mata o poder que o álbum poderia ter e com “Hardwired… To Self Destruct” a ter uma boa produção e a ser dividido em dois cds quando bastaria apenas um (será que o mundo precisa de mais plástico em forma de rodelas) mas a faltar alguma genialidade – mesmo sendo o trabalho mais sólido da banda em vinte anos.
Bem, isto tudo e ainda nem comecei a falar daquilo que me trouxe aqui… Os Metallica estão de volta e rebentou a guerra de palavras nas redes sociais. Principalmente pelos preços exorbitantes, mas basicamente de tudo o resto também. Vou focar no facto bastante mencionado, dos bilhetes estarem exorbitantes e esgotarem quando temos eventos com bandas nacionais às moscas. A resposta mais fácil será dizer “as bandas nacionais não valem um tusto e não vão chegar nunca aos calcanhares dos Metallica”. Bem para esse argumento serve qualquer banda, nacional ou internacional. E aqui entram os meus dois tostões – peço desculpa pela demora mas a vida está difícil e os dois tostões têm que render bastante. Os Metallica, como disse atrás, afastaram-se do seu público underground por volta do …And Justice For All, quando gravaram um videoclip e até quando foram derrotados pelos Jethro Tull para arrecadar o prémio Grammy para melhor banda metal (quase caricato quanto passar o “Master Of Puppets” depois de anunciar Megadeth como vencedor). Depois do sucesso desse álbum e dessa derrota ficou claro que a banda para crescer teria que colocar os seus egos nas mãos de alguém que os levaria às massas (de todas as maneiras e feitios, até as da Nacional). Essa aposta foi bem sucedida e levou-os a conquistar um patamar que resistiu aos múltiplos desaires criativos que praticamente pontuaram a vida artística da banda – e atenção, sou fã de Metallica mas não deixei de sentir frustração em todos os álbuns da banda por achar que faltava algo. “Through The Never” e “Lulu” incluídos. Mas o que é certo é que esse sucesso permitiu à banda fazer tudo o que quisesse, até implodir-se a ela própria e registar essa implosão.
Tácticas erradas ou não, a banda conseguiu manter-se relevante comercialmente e renovar a sua base de fãs, fãs que na sua grande maioria (nada é definitivo) só saem de casa para grandes eventos. Para o Rock In Rio, onde já foram tocar quase tantas vezes quanto a Ivete Sangalo; para o Pavilhão Atlântico, ou Meo Arena, ou Altice Arena, ou quem quer que seja a próxima empresa a pegar no espaço. Arrastam multidões. Multidões específicas, que continua presa a um passado nostálgico nem sempre verdadeiro (consta que o cérebro humano cada vez que pega numa memória altera-a). As grandes bandas estão a acabar e os Metallica eventualmente chegarão a esse ponto. Apesar de terem sido apontadas bandas como Mastodon e Ghost para lhes seguir as pisadas, a verdade é que só arrastaram multidões quando foi para abrir Metallica. Os preços são exorbitantes, mas os bilhetes esgotam. E não é culpa da inflação. Os promotores também precisam de viver e de expandir o seu negócio, tal como os Metallica em 1990 quando decidiram dar um passo em direcção às massas (todas, como já disse). Podemos ser ingénuos e chamar todos de malandros, quem toca, quem traz , quem vai, mas será que isso resolve o problema de termos eventos meio cheios ou meio vazios (conforme o nosso pessimismo) no nosso underground? A culpa é dos Metallica, dos promotores, dos Golden Circle e de todos esses malefícios desta nova era?
Temos tido a sorte de estar associados e de apoiar uma série de eventos underground, de ter feito reportagens e de ter visto em primeira mão, de ter sentido o suor no ar como concertos de uns Comeback Kid ou de uns Napalm Death num RCA Club a rebentar pelas costuras, numa magia indescritível ou de ter sentido desolação por ver um concerto como o dos Bullet que foi um dos melhores concertos de heavy metal de 2018, tocado para uma casa praticamente vazia. Um concerto, também esse mágico. Ou de eventos como o Metal Keeper Fest, que trouxe à memória aquilo que é verdadeiro heavy metal que tendo reunido uma boa casa, poderia ter sido bem melhor, merecendo muito mais público. Não foi certamente culpa dos Metallica. Nem dos promotores, nem dos Golden Circle. Porque quem gosta da cena underground e dos excelentes valores que temos, nacionais ou internacionais, quer marcar presença, mesmo que para isso tenha que fazer sacrifícios. Se temos pessoas que guardam todo um ano para ir ao Vagos Metal Fest, Moita Metal Fest ou um SWR Barroselas, existem aqueles que também fazem o mesmo para ir ao Wacken, ao Resurrection, ao Helfest ou… para os Metallica, ou Iron Maiden.
Este mundo do metal é tão grande que temos fãs que são fãs para todos os tipos de eventos. Não acredito que sejam os Metallica a roubar fãs ao underground (podemos dizer que andam a perdê-los desde 1988), nem acredito que os valores de bilhetes desajustados para a realidade portuguesa sejam causa de qualquer impacto significativo nos concertos que possam haver. O público dificilmente é o mesmo. Acabámos de experienciar dose dupla de concertos a abarrotar em salas significativamente mais pequenas, tanto em Lisboa como no Porto (Primordial e Bastushka), onde as bandas nacionais cumpriram o seu papel de forma excepcional, tendo um impacto na apreciação final significativo. O público existe (a grande maioria, generalizando, costuma ir em trabalho, munidos do telemóvel, prontos a registar em directo para o Facebook os acontecimentos, não se importando de ver os concertos pelo ecrã do telemóvel) e tem algum poder de compra (como, não sei, mas não deve ser geral), e mesmo que no final dependa sempre de escolhas, a grande maioria do underground não está propriamente interessado em Metallica. O apoio ao underground passa por dificuldades diferentes do que aquelas que os Metallica oferecem todos os anos que vêm cá.
Acho que ultrapassei em larga medida os dois tostões, mas serve isto para dizer que felizmente há música para todos os gostos e, felizmente, mais do que uma vez por ano, limitada a uma banda.
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