ArtigosExclusivo

Filhos do Metal – Dico

Por Duarte Dionísio
(Filhos do Metal – À descoberta do Heavy Metal em Portugal)
Blog // Facebook

Ao longo dos anos, tive a sorte de conhecer muitas pessoas ligadas às artes, e à música em particular. Felizmente, algumas delas estão num círculo restrito de contatos que mantenho até hoje. Considero que são especiais. Resolvi colocar algumas questões a uma dessas pessoas, depois de uma conversa com muito conteúdo, que desperta a mente para tantos assuntos. Aqui ficam as respostas.

O Eduardo José Almeida, mais conhecido no nosso meio Metálico como Dico, é uma pessoa que acumulou muitos talentos. Mas acima de tudo é um entendido destas andanças do Heavy Metal nacional. Foi baterista dos Dinosaur e dos Sacred Sin. Na escrita espalhou conhecimento e informação por diversos meios, mas foram os livros sobre Heavy Metal que mais evidenciaram o trabalho de pesquisa e conhecimento do Dico. “Breve História do Heavy Metal Português”, “A Portuguese Rock And Metal Route – The Underground Guide” e “Emigrantes, Imigrantes – Experiências De Vida No Universo Metálico Português (1989-2018)”, são marcos importantes que explicam o que é o Heavy Metal em Portugal.

Como foi que tudo começou? Qual a primeira memória? – “Com 7, 8 anos já ouvia Suzi Quatro, Queen ou Deep Purple, mas quando o meu irmão levou para casa o “The Number Of The Beast”, dos Iron Maiden, tudo mudou para mim. Imagina o impacto monumental que aqueles temas e aquela capa tiveram num miúdo de 11 anos.” – revela o Dico. É transversal à quase maioria dos fãs de Metal, o impacto causado pela estética e pela música. De ouvinte e fã até se tornar músico é um passo que muitos amantes do género dão. O Dico também deu esse passo e tocou bateria em bandas marcantes no underground nacional. Será que ainda sente saudades te gravar e tocar? – “Sim, por vezes. Sinto falta da adrenalina de tocar, de sentir e de ouvir o público, de contactar diretamente com os fãs. No entanto, estou há muito numa fase distinta do meu envolvimento no Underground. Tenho por prioridade a escrita, uma paixão que há cerca de 30 anos alio ao meu amor principal, o Metal. Para mim é um privilégio poder conjugar ambas as áreas tão profundamente.” – Tendo em conta o trabalho dedicado à escrita com livros como o importante ´Breve História do Metal Português’, o que falta para ser um profissional a tempo inteiro neste setor? – “Em Portugal não é possível ser jornalista, e muito menos escritor em áreas de nicho, como é o caso, sem passar dificuldades. O nosso mercado é diminuto, as oportunidades também, o poder de compra é baixíssimo e os hábitos de leitura idem. Há autores estrangeiros – Mick Wall, Paul Stenning, Joel McIver, para citar apenas alguns consagrados – que vivem do jornalismo e da escrita de biografias de músicos/bandas, mas operam em mercados imensamente atrativos sob vários aspetos. É outra realidade, fora do nosso alcance. Em suma, escrever sobre Metal resume-se, para mim, a um hobby, mas um hobby que levo imensamente a sério.

Não podia perder a oportunidade de aprofundar alguns assuntos mais singulares com o Dico, visto ser ele um conhecedor do Heavy Metal em Portugal. Assim, coloquei uma questão que julgo pertinente. O que é necessário para uma comunidade Metálica mais organizada, menos dispersa? – “Acima de tudo, detetar lacunas e preenchê-las, gerando projetos “fora da caixa”. Para isso, é essencial conjugar esforços, reunir meios (humanos, técnicos e financeiros) e ultrapassar inimizades na prossecução de objetivos bem definidos. Existem hoje demasiados conflitos na cena, o que só a prejudica. Por outro lado, entristece-me verificar que o Underground nacional se transformou numa feira de vaidades. Egos de proporções bíblicas digladiam-se na prossecução dos seus 15 minutos de fama, usando projetos válidos de divulgação do Underground não em benefício estrito deste, mas essencialmente para se autopromoverem.” – Houve um enorme incremento na qualidade dos projetos nacionais, músicos, bandas e não só. A atividade no meio Metálico também aumentou exponencialmente, como é o caso de concertos e festivais. Será que já são demais. O Dico tem uma opinião muito clara sobre o assunto – “Nunca houve tanta qualidade e quantidade no Metal português como hoje, cenário transversal a todas as áreas do meio: bandas, media, concertos, grupos em digressão, festivais. Isto é salutar e a democratização do acesso aos meios tecnológicos permitiu que este boom se desse, refletindo-se num desenvolvimento exponencial do Underground. Ainda assim, alguns setores encontram-se em défice, sendo a comunicação social um exemplo. Embora haja um razoável número de páginas informativas no Facebook, podcasts, programas de rádio e sites, verifica-se a inexistência de um título impresso de grande circulação. Atualmente apenas existem duas publicações impressas, a Metal Legion e a recém-criada Complexo N, ambas de pequena distribuição. Por outro lado, conforme falámos, é benéfica a existência de uma ampla oferta de festivais, mas a tendência para estes eventos se tornarem cada vez mais temáticos no que respeita a subgéneros específicos traduz-se numa enorme dispersão de público e, consequentemente, numa menor afluência. A fusão de alguns pequenos festivais certamente beneficiaria todas as partes envolvidas.”

Falando de um lado pouco explorado neste género musical, tive curiosidade de saber a opinião do Dico sobre o enquadramento social e político do Heavy Metal em Portugal. Ou será que é apenas uma cultura marginal? Ou até apenas entretenimento despido de contexto social? – “Ao contrário de países como a Finlândia, Suécia ou Noruega, por cá o Metal é uma cultura marginal, de nicho. Não é entendido pelo Estado central como um ativo passível de ser exportado (basta ver o crescente número de bandas nacionais atualmente em digressão pela Europa e noutros continentes) e gerador de proventos para a economia. Nada de estranho num país cuja verba atribuída à Cultura no Orçamento de Estado para 2025 se cifra nuns meros 597,3 milhões de euros. Honra seja feita às autarquias, que vêm compreendendo a relevância de acolher festivais nos seus territórios enquanto forma de dinamizar as economias locais. Aliás, vários estudos académicos realizados em Portugal nos últimos anos comprovaram os benefícios destes eventos para as economias locais. De resto, este género musical que tanto nos apaixona é hoje muito mais bem aceite pela sociedade, o estigma já não se faz sentir tanto como nos anos 80 ou 90.”

Nesta crónica, que já vai longa, resta-me saber quais os projetos futuros do Dico – “Tenho em mãos um projeto literário de grandes dimensões, que será conhecido no tempo certo. Estou ainda a organizar a minha sétima compilação online para download gratuito, submetida à temática “One-man-bands.” A este respeito, encontro-me a desenvolver páginas no Bandcamp para alojar as compilações anteriores. A minha autobiografia é outro projeto em curso, mas que se encontra em stand-by. De resto, tenciono manter as minhas colaborações com órgãos de comunicação especializados.” Palavras de quem sabe o que diz.


 

Support World Of Metal
Become a Patron!

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.