Guns N’ Roses, Mark Lanegan Band, Tyler Bryant & The Shakedown @ 02 de Junho de 2017 – Passeio Marítimo de Algés
Welcome to the (traffic) jungle.
Parecia ser o hino oficial para aquele que foi o primeiro grande evento de 2017 em solo português – não menosprezando tudo o que aconteceu antes mas a dimensão do regresso dos Guns N’ Roses ao nosso país está ao nível de um festival pela movimentação de pessoas. Com as portas a abrirem às 16h e numa sexta-feira, era de prever que muitos tentassem chegar o mais cedo possível. Também seria de prever que muitos tentassem a sua sorte após um dia de trabalho, o que foi o nosso caso. Filas intermináveis foram o primeiro desafio mas o maior seria mesmo encontrar sítio para estacionar carro, o que levou a encontrar novas definições para o termo “estacionamento selvagem”. Algo que até podemos considerar reprovável mas que passando pela situação durante mais de uma hora, torna-se cada vez mais apetecível – por momentos até surgiu a tentação de mandar o carro da marina abaixo e simplesmente ir em direcção ao recinto.
Take me down to the Paradise City
Após esta saga de proporções homéricas, lá conseguimos navegar sobre um mar de gente e chegar finalmente à terra prometida, já com o refrão da “Paradise City” a ecoar nos ouvidos. Infelizmente não chegámos a tempo para ver a actuação completa dos Tyler Bryant And The Shakedown mas aquilo que nos viu foi exactamente o que esperámos. O rock’n’roll animado da banda já nos tinha conquistado o ano passado aquando a abertura para AC/DC, embora aqui nos pareça que tenham sido recebidos com menos atenção, com as pessoas a chegar ao recinto e mais preocupadas em ir buscar qualquer coisa para beber do que propriamente correr para a frente do palco. No entanto, tendo em conta o mar de pessoas que estavam já no recinto, podemos dizer que já tocaram para um público já bem considerável.
As pessoas continuavam a chegar e muitos foram à procura de jantar, para se prepararem para o grande momento, mas ainda havia um grande senhor primeiro: Mark Lanegan. O músico que fez parte dos Screaming Trees, uma das bandas de culto da cena de rock alternativo de Seattle, e que também já tem uma carreira solo de respeito. O único problema é que sendo uma sonoridade bem mais introspectiva, acabou por ser recebido com alguma indiferença, numa actuação que resultaria muito mais num espaço mais intimista, prejudicada principalmente pelo mau som, afectado pelo forte vento que se fazia sentir. Entre cervejas e fast food, o que se queria era mesmo ver a banda da noite.
Assim que os ecrãs gigantes foram ligados e mostraram as imagens com o símbolo da banda, foi a loucura no Passeio Marítimo de Algés. A expectativa era mais que muita e a contagem decrescente já tinha começado. A imagem deixada em passagens anteriores pelo nosso país nem sempre foi a mais positiva, principalmente o concerto de Alvalade mas já passaram vinte e cinco anos desde então e toda uma nova geração estava presente, o que é uma das principais coisas a salientar neste grande evento. O último álbum de originais dos Guns ‘N’ Roses foi editado em 1991 e passados quase trinta anos a procura pelos espectáculos ao vivo da banda é composta por um leque alargado de idades e em Algés não foi diferente. Um verdadeiro encontro de gerações com pessoas que cresceram com as músicas emblemáticas que desejavam ouvir novamente assim como que aqueles que apanharam apenas com o seu legado.
Com uma inesperada introdução “Looney Tunes” e com um trecho do tema do filme “Equalizer”, a dolorosa espera só foi aplacada com o clássico “It’s So Easy” que abriu as hostilidades. Assim que a banda entrou em palco e principalmente assim que nos ecrãs gigantes surgiram Axl Rose e Slash foi como se a selecção nacional tivesse marcado um golo. Para muitos é a realização de algo improvável ou até mesmo impossível – o nome da digressão “Not In This Lifetime” não foi escolhido por acaso – ainda que da formação original só estivessem presentes três membros. Três membros que representam o núcleo duro da banda, acompanhados com Dizzy Reed (outro sobrevivente dos tempos de “Use Your Illusion”) e Melissa Reese nas teclas e coros, Richard Fortus nas guitarras (que demonstrou ser um poço de talento) e Frank Ferrer na bateria e percussão.
O reportório da banda não é muito extenso mas mesmo assim seria impossível incluir todos os clássicos e também temas de “Chinese Democracy”. Embora este último trabalho seja claramente um trabalho inferior à restante discografia, não é um mau trabalho e as músicas escolhidas encaixaram e resultaram na perfeição. “Chinese Democracy”, “Better” e “This I Love”, principalmente estes últimos dois, são temas muito bem conseguidos, emocionais, e que ao vivo têm grande impacto, mais ainda que em disco. Mas eram os clássicos que público ansiava. Desde os temas de “Apetite For Destruction” (que foi o grande foco, no total oito temas escolhidos) até aos dois “Use Your Illusion” e ainda com uma série de covers que surpreendeu. Aliás, existiram algumas surpresas que tornaram o espectáculo ainda mais memorável.
Uma “Double Talkin’ Jive” com direito a solo prolongado (coisa que foi hábito durante o set), o épico progressivo e emocional “Estranged” ou a “Coma” que tiveram grande impacto, as versões “New Rose” dos The Damned cantada por Duff McKagan, a homenagem a Chris Cornell com o tema “Black Hole Sun” dos Soundgarden que foi outro momento alto, a versão instrumental de “Wish You Were Here” dos Pink Floyd onde Fortus tocou as linhas da voz cantadas por David Gilmour e depois inicia-se um duelo de solos entre os dois guitarristas e para finalizar a versão surpresa já no encore de “Whole Lotta Rosie” dos AC/DC que o ano passado já tinhamos ouvido Axl a cantar.
E por falar em versões, claro que não poderiam faltar as versões obrigatórias de “Live And Let Die” dos Wings e “Knockin’ On Heaven’s Door” de Bob Dylan. Tudo bons argumentos para que ninguém ficasse insatisfeito. E ninguém ficou, mesmo que tenham ocorrido algumas falhas e pregos. É isto o rock’n’roll, visceral e orgânico. e imperfeito. Se o som deficiente que pudemos ouvir com Mark Lanegan não se repetiu com tanta incidência, já a voz de Axl nem sempre conseguiu chegar onde devia, revelando alguma falta de fôlego por não conseguir conciliar da melhor forma andar a correr pelo enorme palco e ainda assim ter pulmão para cantar. E quando se tem um concerto onde conseguimos apontar as falhas e mesmo assim não ter problemas em afirmar foi o melhor concerto da banda no nosso país e um dos grandes eventos da década é porque estamos (estivemos) perante algo especial.
Não sabemos se Duff e Slash vão-se manter com Axl, que já disse que tenciona continuar a lançar música através dos GnR mas temos a certeza de que para milhares de pessoas presentes no Passeio Marítimo de Algés, independentemente do que possa acontecer no futuro, isto é algo que não vão esquecer certamente. O encerrar um espectáculo com uma “Paradise City” entoada do início ao fim (aliás, tal como aconteceu com a “Patience”, “November Rain” e “Welcome To The Jungle”) com direito a fogo de artífico e confettis foi apenas a forma de assegurar isso muito. Costuma-se dizer mais vale que tarde que nunca. Este concerto foi algo que muitos já esperavam há mais de duas décadas e quando tudo e todos diziam “Not In This Lifetime”… eis que os sonhos tornam-se mesmo realidade.
Texto por Fernando Ferreira
Fotos cedidas por Everything Is New
Fotos cedidas por Everything Is New
Agradecimentos a Everything Is New
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