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WOM Report Bifes Fest @ Nirvana Studios, Barcarena – 17.11.18

Não é tarefa fácil, esta de tentar traduzir por palavras o que se viveu nos Nirvana Studios no dia 17 de Novembro de 2018. O que é apropriado porque também não é fácil exprimir por palavras o impacto que Sérgio Curto teve na vida das pessoas envolvidas neste evento de homenagem e de apoio à família dele – bandas, staff e amigos, ou seja… família. Tal como a música, um impacto que não se explica, nem se exprime em palavras ou fórmulas matemáticas. Sente-se. Visceralmente, tal como a própria forma de Sérgio Curto, eterno “Bifes” encarava a sua vida e a sua música.

A começar uma autêntica maratona de bandas, música e amigos tiveram os Fonte, cujo primeiro baixista foi o próprio Sérgio Curto. Tinham regressado aos palcos no passado dia 31 de Outubro na festa de Halloween e mostraram-se cheia de raça e potência com o seu hardcore – ajudado também pelo som que saía de palco com uma qualidade fantástica. Os Fonte encontram-se em excelente forma e a ocasião também fazia com que todos quisessem dar o seu melhor. Temas como “Cinco Tiros” garantiram isso mas foi com as palavras de ordem gritadas a plenos pulmões “Bifes Não Morreu” que se ecoou o sentimento partilhado por todos.

Cada banda teria o espaço temporal de trinta minutos que só fez com que as actuações fossem mais intensas assim como as próprias emoções que estavam ao rubro, independentemente do estilo musical. A união e o espírito e amor de Sérgio à música  permitia tal coisa. A segunda banda a subir ao palco foram as Bellenden Ker. Banda completamente feminina e que apresentou um rock de garagem, cheio de noise, fuzz, feedback e pedigree punk, tal como todos nós gostamos. Até com direito a encore improvisado, onde na última música há uma troca de instrumentos que também mostra a sua versatilidade.

Festa. Sentida. Não é assim que deve ser celebrada a vida? De quem já partiu, de quem fica. Peste & Sida é sinónimo de festa em qualquer sítio onde toquem, uma das bandas mais icónicas do punk rock (ou só rock, como quiserem encarar) nacionais que, através do seu frontman, João San Payo, assumiu a honra de estarem presentes no evento e de poder contribuir na festa quer servia para recordar “Bifes” e apoiar a sua família. E verdadeira festa foi o que se teve com temas clássicos como “Está Na Tua Mão”, “Furo Na Cabeça”, “Alerta Geral” (com a ajuda de Jonhie dos Simbiose na voz) e até tendo como especial tema a encerrar uma versão da “Sheena Is A Punk Rocker” dos também eternos Ramones.

Também dentro do rock, algo mais recente, uma verdadeira super-banda no nosso underground – Jackie D. Com as emoções ao rubro – principalmente depois do discurso tocante e improvisado por parte do pai de Zé Miguel Silva, guitarrista da banda. A união e entreajuda por parte de todas as bandas e todos os presentes foi um exemplo do espírito que Sérgio espalhou em vida e que deixou para todos os outros seguirem. Quanto a Jackie D., com o seu rock característico, não faltou energia com  “Reach You”, “Rat Race” e “This City, apenas para citar alguns, com uma formação renovada onde tem Félix no baixo. O poder continua todo lá.

Já que estamos a falar de poder, o que podemos dizer da actuação dos Mordaça? A banda mítica de hardcore de Linda A Velha (eterno centro mítico do género do nosso país) provocou um senhor rebuliço nos Nirvana Studios, um caos lindo se ver, com corpos a voar do palco para a plateia (onde até tivemos um crownd surfing literal, ou seja, mesmo com uma prancha de bodyboard), circle pits e um wall of death inclusive (no tema “Ouve”). “Demência”, “Tiro P’la Culatra” e o já hino à cena de Linda A Velha, “2795” foram autênticas aulas de como dar um concerto de hardcore cheio de pujança. A ocasião assim também o exigia.

Quando o assunto é energia, também temos que referir obrigatoriamente os Dollar Llama, que também nos presentearam com um som para lá de poderoso. Com uma rodagem já impressionante, a banda trouxe-nos o seu stoner/sludge capaz de deitar abaixo prédios. O Nirvana Studios não foi abaixo porque as suas fundações estavam bem cimentadas com o espírito de amor e união daquilo que Sérgio representava e do melhor que conseguia sempre trazer ao de cimo dos outros. As já inevitáveis “Knucklehead”, “Bocanegra”, “Nails” (com direito a wall of death”) e uma “Stagefires” que, como Tiago Simões, vocalista, disse, era à Suicidal Tendencies, como Sérgio gostava, ou seja, todos em cima do palco.

A festa continuou com a irreverência contagiante das Anarchicks que juntam o rock de garagem, o punk e o alternativo, misturam tudo muito bem misturado e o resultado são excelentes temas numa actuação sempre memorável. O foco começou logo por ser o mais recente trabalho de originais, “We Claim The Right To Rebel And Resist”, com o “We Clain The Right” a iniciar a actuação e onde ainda pudemos ouvir temas como “No Friend”, “My Way” – cantada em conjunto com Marta das Bellenden Ker – num autêntico ambiente de festa. Nota para a performance de Katari (ela também integrante das Bellenden Ker) que é um autêntico monstro na bateria.

Emoção acrescida ao ver e ouvir os Simbiose, banda com a qual Sérgio tocou no Festival Bardoada, horas antes de ser vítima do acidente que lhe custou a vida. Com João Lavagantes no baixo (ele que já tinha subido ao palco com os Mordaça), a máquina de debulhar conhecida por Simbiose continuava bem acutilante e mortífera, no entanto, não deixa de ser um sentimento estranho estar a vê-los sem o Sérgio – algo que o próprio Jonhie confessou, quando se voltou para o público e perguntou se estava tudo bem e rematou que em cima do palco estava-se bem embora fosse estranho. A emoção era intercalada pelas já habituais palavras de ordem de temas como “Acabou A Crise, Começou A Miséria”, “Fake Dimension” e “Ignorância Colectiva”. No final, um encore improvisado com “Reage À Tua Frustração” e um palco cheio de público, à la Suicidal Tendencies, tal como o Bifes gostava.

Quando se pensava que a intensidade não poderia subir mais, eis que temos o regresso dos Trinta & Um com a formação original: Sarrufo, Goblin e Ricardo Rações contando ainda com João Lavangantes no baixo. Um autêntico furacão em forma de hardcore, num Nirvana Studios a arrebentar por completo. Saltar, dançar e vibrar ao som de temas como “LVHC” (onde repetidamente se ouviu como refrão “O Bifes Não Morreu”), “Não Há Regresso”, “Porque Eu Acredito” e o clássico incontornável, “O Cavalo Mata”. Os níveis energéticos estavam a um nível inacreditável e mesmo depois de terem esgotado os temas, e como o público estava ávido por mais, tocaram novamente “Não Há Regresso”. E ficou o aviso que os Trinta & Um e a sua formação original iriam continuar, não ficariam por ali. Coisas boas esperam no futuro.

Para o final estava reservado o ponto alto da festa. Os Psicopratas iriam subir ao palco sem o seu Dr. Bifes. Para o seu lugar iria Zé Miguel Silva (no baixo), enquanto a cada música teríamos um desfilar de vocalistas convidados, amigos, família de Sérgio Curto naquela que seria a actuação mais emocionante e sentida de todo o dia/noite. Desde “Com Os Cornos Cheios De Vinho” (com Zé Miguel Silva a carregar às cavalitas o seu sobrinho, filho de Sérgio que já tinha emocionado todos num vídeo onde agradecia a todos pela presença) até “Sepultado No Quintal), sem esquecer o final apoteótico, onde foram servidas duas bandejas de shots para quem do público se quisesse servir para brindar àquele espírito do Bifes que se pretende perpetuar, num momento que mais uma vez seria mesmo ao seu gosto, com o palco cheio de amigos e fãs. Para a posteridade fica o CD “3º Testamento”, editado pela Hell Xis e oferecido à família/banda.

No final, depois de mais um encore, tudo findou. Um evento completamente D.I.Y., como Jonhie referiu, que por duas causas puras – homenagear Sérgio assim como apoiar a sua família – se ergeu e aconteceu. Por vezes queixamo-nos das pessoas talentosas que partem deste mundo sem o reconhecimento em vida que deveriam ter tido. Sérgio poderia não ser uma celebridade, a sua arte pode não ter encantado milhões mas a forma como o Bifes Fest decorreu é sinal maior do seu legado e de como a sua memória jamais desaparecerá do coração de todos os que conviveram com ele, dos que partilharam palcos e projectos, dos que respiravam e vivam música, de uma forma intensa, de uma forma única.

Sabíamos que seria uma tarde e noite de emoções fortes, mas as nossas expectativas eram pálidas em relação ao que se passou – e quem não lhe foi possível comparecer, pôde ver (ainda pode) na página de Facebook do evento o stream do mesmo. Uma festa, feita à sua vontade e imagem. À sua altura. E apesar do claro intuito de beneficiência para com a sua família, todos os presentes tentaram colmatar o vazio que ficou desde aquela madrugada de Outubro. Vazio e silêncio. Citando o tocante vídeo que rodou algumas vezes durante o evento, no final, quando a distorção se cala e as colunas não debitam mais som, apenas ficou o som ensurdecedor do silêncio. O zumbido da ausência do seu baixo e da voz. Um silêncio com o qual teremos que aprender a viver.


Quem quiser contribuir – IBAN: PT50 0035 2152 0000 9994 6302 4

 

Texto por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
Agradecimentos Bifes Fest


 

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