WOM Report – King Gizzard & The Lizard Wizard, Etran De L’Air @ Coliseu Dos Recreios, Lisboa – 18,19,20.05.25
Os King Gizzard & The Lizard Wizard (KGLW), são uma das bandas de rock mais interessantes da atualidade. Depois de várias passagens pelo nosso país em festivais, os australianos estreavam-se agora a título próprio no Coliseu dos Recreios, durante a “Europe Residency Tour” em que a banda está a fazer uma residência de três noites em cada país.
Em Portugal a abertura das hostilidades ficou a cargo dos Etran de L’Aïr, um quarteto do Níger, que pratica uma fusão de blues com música da região do Sahara. Ao longo das noites em Lisboa a banda foi mostrando o ritmo contagiante e carregado de groove da sua música, e colocou uma audiência sempre numerosa a dançar. Ao longo do concerto os guitarristas e o baixista iam-se revezando nos instrumentos, sendo que pelo fim ambas as guitarras e o baixo tinham passado pelos 3 elementos, numa coreografia curiosa. A tocar quatro temas por noite (num total de 30 minutos), e com uma setlist que foi sempre diferente, foram-se mostrando temas como “Imouwizla”, “Amidinine” ou “Agadez”. Entre músicas saía um tímido e simpático “obrigado” dito em português, dirigido a um público que os acolheu entusiasticamente. Foi sem dúvida uma boa forma de aquecer a sala com uma sonoridade diferente.
Sendo os KGLW uma das bandas mais prolíficas em existência, com 26 álbuns lançados nos últimos 13 anos, a abranger estilos que vão desde o Rock Psicadélico ao Electropop, passando pelo Progressivo, Fusão Jazz, Funk e Metal, e com tres noites de música pela frente ficava a curiosidade de como a banda iria organizar as setlists, e onde estaria o foco. Tinha ficado a promessa que seria um setlist diferente em cada noite e a banda cumpriu não repetindo uma única música. No fim seriam três concertos bastante equilibrados entre os vários estilos da banda com espaço para tudo, poderosos riffs de thrash, o ritmo da música electrónica, e muito groove. Ao vivo, no entanto, mesmo os momentos mais suaves têm um poder diferente com o som mais cru que se ouvia, e o destaque que foi dado às guitarras. O fundo do palco era dominado por um ecrã gigante, onde iam passando imagens distorcidas e psicadélicas que davam um apropriado aspecto surreal a toda a cena. Ao longo dos anos o colectivo tem vindo a formar uma base de fãs bastante fiel e entusiasta. Durante as três noites, foram recebidos por um Coliseu dos Recreios cheio, em que uma boa parte do público esteve presente em vários concertos.
Nas cerca de 6 horas de música que durou a residência dos KGLW foram poucas as vezes que o público esteve parado, ora a fazer moche, circle pit, crowdsurf, a dançar ou mesmo sentados no chão a remar, os presentes no coliseu festejaram e criaram muito do ambiente especial que se foi vivendo. A banda não usou muito tempo para parar e conversar, preferindo tocar mais e muitas vezes alongar os temas com pequenas referências a outras músicas, mas os KGLW são uma banda que consegue criar uma conexão com o público com a forma como estão em palco. É uma banda que musicalmente mostra uma boa dose de boa disposição, e o mesmo acontece na interação com os fãs ao longo da música, em particular pela mão dos guitarristas Stu Mackenzie e Joey Walker e o teclista Ambrose Kenny-Smith.
A primeira noite já se encontrava esgotada, e a sala encheu bastante cedo. Enquanto se fazia a espera pela entrada das bandas, alguns fãs gritavam “Gila Gila”, sendo possível ver um ou outro lagarto insuflável e um Stu feito de cartão (e que não resistiu muito tempo durante o concerto). Esta não seria a noite de “Gila Monster” mas teria muitos temas a puxar para o headbang também. A banda entrou em palco cumprimentando primeiro o público com Joey a referir que 10 anos antes tinham estado a assistir a um espectáculo naquela sala, e a pensar como nunca chegariam a tocar naquela sala, mas cá estavam eles (“the joke ‘s on you”).
Quando foi tempo de arrancar com o concerto foi na vertente mais pesada da banda com “Mars for the Rich” a puxar imediatamente pelo circle pit, e por uma sequência de “PetroDraconic Apocalypse” com “Converge” e “Witchcraft”. O álbum de 2023, seria tocado quase na totalidade ao longo da estadia em Lisboa, e obteve sempre uma enorme reação da audiência.
O rock sulista de “Antarctica” e a fusão jazz de “Ice V” baixaram momentaneamente a intensidade, e trouxeram uma outra vertente da banda. Seguir-se-ia uma sequência de músicas saídas de “Nonagon Infinity”, começando por uma nova intro para “Gamma Knife”, num tom mais de blues, que levou novamente o coliseu a ebulição quando o tema “arrancou”, seguido de “People-Vultures”, num dos momentos altos da noite.
Depois de mais uma sessão de moche e crowdsurf, o concerto seguiu para ondas mais de rock and roll com “Daily Blues”, a excelente “Field of Vision”, ou “Am I in Heaven?” e com o boogie de “Boogieman Sam” a colocar muita gente a dançar. Com o concerto a chegar ao fim, Stu surgiu com uma máquina de cortar cabelo e começou a cortar o cabelo em palco, sendo depois ajudado por Joey e mais tarde um dos fotógrafos que estavam em frente ao palco.E se a noite começou com um tema de “Infest the Rats’ Nest”, terminaria com outro, com uma demolidora “Self-Immolate”.
Na noite seguinte a “estratégia” seria um pouco diferente com o ambiente funky e jazzistico a surgir logo no início com “Iron Lung” e “Hypertension” que formaram a primeira meia hora de concerto, seguido pelo groove altamente dançável de “This Thing”. Os KGLW prosseguiram então para mais uma dose de peso de pé no acelerador com “Supercell” que causou uma autêntica loucura na plateia, “Dragon” e os riffs mais doom de “K.G.L.W.” e “Doom City”. Uma das preferidas da noite foi “Nuclear Fusion” para a qual Joey chamou dois membros do público para vir gritar o “Nuclear Fusion” distorcido que começa um tema que exala psicadelismo dos 60s. A parte final fez-se com uma boa dose de surrealismo ao tocar a terceira parte do álbum “Murder the Universe”, que segue o cyborg Han-Tyumi na sua demanda para vomitar e morrer, repleto de narrações que iam passando em texto no ecrã. Para terminar a noite em grande, um dos singles mais recentes da banda “Le Risque” foi uma despedida com o público a cantar em conjunto com a banda.
A noite mais eclética seria talvez a última, começando com a vocalização soul do teclista Ambrose Kenny-Smith que inicia épico psicadélico/prog “The Dripping Tap” (que não foi tocada na totalidade), o jazz de “Magma”, o blues de “Sad Pilot” que trouxe de novo a sala a cantar juntamente com o guitarrista Joey. As vozes da audiência também se ouviram bem em “Rattlesnake”, que trouxe muito entusiasmo. O hipnotismo calmo de “Straws in the Wind” em que Ambrose Kenny-Smith desapareceu entre o público do coliseu antecedeu aquela que seria a sequência mais intensa das três noites em Lisboa e que levou a muito moche e provavelmente a maior dose de crowdsurf também.
Surgiu pela mão do thrash de “Planet B” e da magnífica “Perihelion”, seguidas desde logo por “Gaia” que não foi tocada na totalidade e levou a um dos temas mais aguardados “Gila Monster” em que as vozes de toda a sala se juntaram num ambiente impressionante. Logo de seguida “Flamethrower” e o final de “Gaia” terminaram um dos pontos altos desta residência dos KGLW. Fiéis à natureza da banda, o colectivo australiano passou do concerto de metal para a rave, trazendo para o centro do palco uma mesa com sintetizadores à volta dos quais os vários elementos da banda (menos o baterista Michael Cavanagh) se foram juntando para tocar os temas electrónicos saídos de “Silver Cord”, “Extinction” e “Set”, transformando o circle pit numa pista de dança. A despedida de Lisboa foi feita com “The River”. Depois do peso a meio do concerto, poderia à primeira vista parecer anti-climático sair de cena com este suave tema marcado pelo rock psicadélico e pelo jazz, mas na realidade o ambiente luminoso e positivo da música foi uma fantástica forma de terminar esta maratona musical.
Texto por Filipe Ferreira
Fotos por Filipa Nunes
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