Report

WOM Report – Lucifer’s Child, Humanart, Anifernyen, Akouphenom @ Hard Club, Porto – 14.09.19

Diz o poeta que “só na ilusão da liberdade, a liberdade existe” e foi sob essa estrela que o concerto de dia 14 de setembro, sábado passado, terá sido marcado: em Setembro não há festivais, estará tudo mais repousado e parado depois da época estival, e assim, teria tudo para correr bem. E a ilusão terá durado até ao momento em que, para a mesma semana, para o mesmo espaço, foram marcados dois concertos que logo anteviam casa cheia: Mgla  (e acompanhantes) no dia 11, Overkill e Destruction, no dia 12. E para sobrecarregar o fim de semana, ainda, o Outeiro Metal Fest, gratuito, também a Norte. E foi este o senão de uma bela noite de black  e death metal, que teve todos os restantes elementos para dar certo: o som esteve muito bom ao longo de todas as atuações, uma das bandas apresentava álbum novo e outras duas inauguravam-se em terras nacionais e todas, mesmo com uma casa pouco cheia, entregaram-se como se estivessem frente a centenas.

O evento arrancou à hora marcada e, sendo cedo para um sábado à noite num país habituado a horários tardios, a banda galega Akouphenom contou ainda com menos público. O que não diminuiu em nada a prestração da banda, com o vocalista a incitar os presentes à reação que a densidade e fúria que o Black/Death que apresentam em palco exigia. Pessoalmente, espero voltar a cruzar-me com esta jovem banda da Corunha, com o enquadramento que merece, quem sabe num festival cá a norte, ali para os lados de Barroselas… e acho que já digo tudo sobre a impressão que me causaram.

Como já foi dito, a qualidade do som foi uma constante na sala 2 do Hard Club e acompanhou todas as bandas. E  com esta garantia se apresentou Anifernyen, com o seu álbum Augur, acabado de lançar neste mês. Por esta razão, naturalmente, a setlist da noite centrou-se neste álbum, contando com nove dos seus onze temas, e com o “Scarlet Winter” do EP anterior “The Pledge of Chaos”, do longínquo 2008. Este enorme hiato no lançamento terá permitido que a banda cuidasse em detalhe do novo álbum e o resultado ao vivo foi francamente bom. Aliás, aconselho vivamente a não perderem a oportunidade de ver a banda ao vivo, pois a meu ver, o seu trabalho cresce em palco, seja pela qualidade de execução dos seus membros, seja pela intensidade que o frontman, Daniel Lucas, imprime, não apenas no desempenho vocal (grande poderio de voz, seja nos guturais seja num registo mais limpo) como na personificação dos temas . É a terceira vez que os vejo, a primeira foi sem sequer conhecer a banda, e desde logo me captaram a atenção, mesmo não sendo eu a maior adepta de metal de cariz melódico, já que o som de Anifernyen equilibra sabiamente esse traço com a negritude e sobriedade black metal.

O número de público já tinha aumentado, entretanto, se bem que longe do desejável e daquilo que a noite oferecia, musicalmente. Foi então a vez dos Humanart, banda que não carece de apresentações com os seus vinte anos de existência,  e que ainda se apresenta em tour com o seu álbum “(Further) Into the Depths”. Há um ano, precisamente, vi-os também com Anifernyen, no Metalpoint; um ano depois, ambas as bandas se apresentam com álbum novo. E, desta feita, Humanart apresentou este álbum na íntegra, sem sequer mudar a ordem dos temas. Tendo-os visto recentemente no Laurus Nobilis, em julho, o concerto deste sábado foi claramente superior, muito devendo à tal qualidade do técnico de som (bem haja!), como ao próprio ambiente da sala, bem mais adequado ao Black sujo e rápido deste álbum. O resultado ao vivo não distou muito daquele que me provoca em estúdio: há momentos em que o trabalho das guitarras me agarra de sobremaneira, seja na componente rítmica seja na lead, tal como a velocidade da bateria, e outros há em que a minha atenção se dispersa, porque não sinto novidade. Mas, como é evidente, são nuances dentro de um todo muito positivo e que, em particular nesta noite, brilhou, abrindo-me o apetite para voltar ao álbum, em casa, reouvindo a orelhuda “Nefilim”, a densa “Victorious Path” ou a mardukiana “Iron Cross”.

Por fim, a noite fecha com uma banda da qual desconhecia a existência – Lucifer’s Child – e julgo que não serei a única, mesmo contando na formação (e na concepção) com um dos guitarristas de Rotting Christ e outros nomes da “cena” grega. E essa experiência notou-se em palco. A sua discografia conta com dois álbuns apenas, um de 2015 e outro do ano passado, e toda a imagética da banda, os coros e recitações, e aquilo que fui percebendo das letras/refrões, giram em torno da invocação a Lúcifer, muitas vezes me recordando os mencionados Rotting Christ (até pelo uso de determinados epítetos luciferinos e outras referências cosmológicas). Mas por aí se ficam as parecenças, especialmente se atendermos ao último álbum da banda de Sakis Tolis. A banda assenta a sua identidade num black metal com momentos atmosféricos, melódicos até, mas onde pontua com mais peso a agressividade do black metal, dentro do estilo helénico, digamos: os blast-beats estão presentes, mas com uma cadência ritmica mais compassada, se bem que veloz, a voz apresenta-se mais gutural do que gritada e os riffs são repartidos entre momentos de construção melódica, com alguns lances épicos, e outros com a frieza e elaborada construção caraterística do género. A presença em palco, bem longe da contenção das bandas escandinavas, lembrou-me a dos seus compatriotas, como referi: dei por mim a pensar no caos que teriam arrancado a uma casa cheia, ou mais composta, seja pela qualidade musical como pela sua prestação e incitamento constante.E com estes gregos acabou uma noite musical de encher as medidas. Perdeu quem não esteve presente.

Texto e Fotos Fátima Inácio Gomes
Agradecimentos Dark Age Works


 

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