WOM Report – Xxxapada Na Tromba – Dia 2 @ RCA Club, Lisboa – 18.01.20
Após um primeiro dia de proporções bíblicas e esgotado, a expectativa é que o segundo dia fosse igual ou superior. Expectativa cumprida, logo para o aspecto de logo ao início estar uma sala muito bem composta – a vantagem de ser ao Sábado também é bem real. E o entusiasmo também por parte do público presente como também por parte da organização, apesar da maratona do dia anterior também é bem real. Algo que nós próprios também sentimos na pele. Avancemos no relato desta odisseia metálica chamada Xxxapada Na Tromba, a primeira digna desse título em 2020.
O início deu-se a falar português com o regresso aos palcos dos Cronaxia, banda de death metal lusitano que lançou o seu álbum de estreia, “Collapsing the Outer Structure”, em 2018. Esse álbum marcou um regresso após uma paragem de dez anos e foi este o seu primeiro concerto desde então, facto pelo qual Sérgio, o vocalista, agradeceu a organização pelo convite. Os Cronaxia trouxeram o seu death metal forte com uma particularidade de não se apresentarem com baterista e baixista, e apenas com dois guitarristas, Filipe e Renato. O trio era ajudado pelas pistas pré-gravadas por Rolando Barros e Alexandre Ribeiro, dos Grog. O público esse, apresentou-se algo mortiço mas não era certamente pela qualidade da banda, que esperemos que inicie aqui agora uma nova e positiva fase da sua carreira.
A segunda banda foi talvez a grande surpresa do dia. Ou talvez do festival. Os ByoNoiseGenerator são uma banda russa que tocam, à falta de descrição melhor, grind jazz. Uma sonoridade alucinante e desconcertante tal como a própria performance do vocalista Yury, que dava repentes de Mark “Barney” Greenway a ter espasmos. Mas era quando a banda mudava de registo, da grindalhada para o jazz, que soava ainda mais refrescante, com o sax a dar-nos repentes das experimentações de John Zorn com os Naked City. Não fomos os únicos que ficámos rendidos, o público também ficou, sendo que assistimos às primeiras movimentações do dia.
Após os russos, e talvez por ser a banda antes do jantar, os espanhóis Disturbance Project contaram com um número menor de pessoas a assistir. Não terá sido certamente pela qualidade da banda que é incontestável. Grindcore inspirado e que não deixava ninguém ficar indiferente. Podia-se ter alguma dificuldade em ouvir Alvaro a falar quando ele se dirigia ao público, mas quando ele berrava, não havia quem não o ouvisse. A comunicação era mantida ao mínimo e nem havia necessidade para mais, já que era a música que falava (e bem) por eles. E até poderia ter falado em espanhol, já que muitos do público eram nuestros hermaños, testemunho para a capacidade e alcance internacional do Xxxapada.
Altura de jantar e quando voltámos já vimos uma vasta panóplia de balões e bolas de praia. Ou não fossem os Party Cannon os seguintes a subir ao palco. E a festa foi sem dúvida algo que fizeram justiça a usarem como nome. Se noutras ocasiões encaramos o slam puro como algo pouco dinâmico, no caso da banda britânica temos o perfeito exemplo de como o estilo tem um enorme potencial. Bailaricos constantes, bolas a voar de um lado para o outro e balões a rebentar. Como disse Stony, o vocalista, “não viemos tocar death metal nem grind, viemos fazer a festa”. De facto, a festa foi feita, de forma exemplar.
Claro que de seguida, com a chegada dos Analepsy, as atenções ainda se redobraram mais, principalmente por esta poder ser a última actuação com Diogo Santana na guitarra e voz. E se logo no primeiro tema pudemos comprovar que a banda continua com um poder inagualável (muitas bandas fizeram questão de os ver tocar), fomos todos apanhados de surpresa (e a banda também) por problemas técnicos que acabaram por prejudicar aquela que tinha tudo para ser um actuação memorável. Aproveitando o tempo que tinham disponível ao máximo e tentando minimizar todas as contrariedades, ainda acederam ao pedido dos fãs que insistiram por mais um tema. Sem dúvida que, ainda assim, soube a pouco.
A seguir aos portugueses, os holandeses Rectal Smegma subiram ao palco para espalharem pujança sonora por todo o RCA Club. Eles que não deixaram de elogiar a banda que os antecedeu. O ambiente de descontração contrastava com a violência sonora de temas como “Count Drunkula”, ou “Hymen Hysteria”“Slayer But Gayer” – reforço que contrastava com a música e não propriamente com mensagem lírica. A animação essa foi contínua e não se acusava o cansaço de já serem a quinta banda a pisar o palco do Xxxapada, havia sempre uma sala bem composta e bem animada.
Não havia qualquer dúvida que os Malevolent Creation eram o nome mais sonante e que mais interesse reuniam e não foi por acaso que foi com eles que se viu a sala mais cheia. Expectativa enorme e palpável e que podemos dizer que foi cumprida em absoluto. O estatuto de lendas do death metal norte-ameriacano traduziu-se em clássicos espalhados ao longo de cerca de quarenta e cinco minutos. E também como era expectável, soou-nos a pouco mas nem por isso foi um ponto negativo, com os temas novos “Release The Soul” e “Mandatory Butchery” a soarem especialmente poderosos ao lado dos clássicos. Temos que dar os parabéns à coragem da organização para fazer esta aposta nítidamente ganha.
Havia muito ainda para acontecer, apesar de temermos que após os norte-americanos houvesse uma debandada por parte do público. Não foi o caso, felizmente. Os Cyotoxin foram ais uma excelente surpresa. Brutal death metal complexo e do mais dinâmico possível. Com um conceito centrado na radiação, o vocalista entrou em palco com uma máscara e um bidon de metal a braços. Esse mesmo bidon mais tarde iria estar no meio do público, qual totem sagrado ao redor do qual os fiéis andavam em redor nessa reverência sagrada conhecida como circle pit. Apesar de terem tido eles também problemas técnicos, não foi nada que manchasse uma das grandes performances de todo o festival. Definitivamente que os queremos ver novamente.
Os Serrabulho são, tal como os Analepsy, umas bandas residentes que marca presença em todas as edições e o impacto é sempre o mesmo. De tal forma grandioso que deixa dificuldade acrescida para quem tem a missão, ingrata pela impossibilidade de relatar sem cair numa dinâmica de relato de futebol da Antena 1. Ainda não tinha começado o espectáculo e já Carlos Guerra estava entre o público, antes sequer de anunciar que “we are the real Malevolent Creation”. Os fãs também diversas vezes foram chamados para cima do palco. Chamados e chamadas (caso da “B.O.O.B.S.” onde se pediu exclusividade do sexo feminino). Também teremos que destacar o momento em que a “Sweet Grind ‘O Mine” contou com a participação vocal de António Freitas, num dueto verdadeiramente memorável com Carlos Guerra.
Infelizmente o festival não foi encerrado com chave de ouro já que os Kadaverficker apresentaram-se, à excepção do baterista, em estado avançado de embriaguez. Desde o vocalista que andava à luta para separar o microfone (e o seu cabo) do suporte e para se manter em pé – algo que nem sempre conseguiu – até ao guitarrista e baixista que afinaram os seus instrumentos inúmeras vezes, parecia que a banda já tinha saído de palco e ido para casa até mesmo antes de começar o concerto. O público, em bom número, saiu após Serrabulho terminar mas os que ficaram e apesar de ainda terem feito a festa, mereciam muito mais.
Não é, no entanto, nada que manche o que ficou para trás, em dois dias do melhor que o underground do death/grind tem para oferecer. Sucesso que prova que apesar de não ser da moda, apesar de não ser composto com sonoridades amigas do ouvido comercial, continua a existir espaço para a música extrema e que havendo vontade, energia inesgotável e perseverança, as coisas acontecem e são acarinhadas por muitos, cá dentro e lá fora. Não há como negar, com um sucesso destes e após findada mais edição, a única dúvida que fica na nossa mente é “para o ano há mesma hora?”
Texto por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
Agradecimentos Xxxapada Na Tromba
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