Review

WOM Reviews – Penitência / Vapulah / Iron Void / Kishi / Re-Buried

Penitência / Vapulah – “Das Sombras Outrora Luz”

2023 – Signal Rex

O Black Metal português tem uma beleza e uma doçura que encontro em poucos outros, se porventura o chego a encontrar. O sentimento pagão e batalhador das paisagens russas, a melancolia desesperante e angustiante originária na beleza artística que foram as LLN, o imaginário tão particular das terras escandinavas… estes, e mais berços de Black Metal são imensamente importantes no crescimento musical de muitos de nós, e tendemos sempre a ter um carinho mais forte por A ou por B.

Há uma poesia musicada, uma beleza muito distinta. Um pouco como a particularidade do Fado e da palavra “Saudade”, há elementos que são nossos e só nossos, que “transpiram” para a música, para a arte, para o Black Metal. Há uma banda na qual encontro alguns desses elementos: Celestia. A capacidade que o Noktu tinha – e terá ainda – de criar atmosferas belas e soturnas, não reside em muitos músicos. A delicadeza e melancolia das suas atmosferas. Numa toada distinta, mas ainda assim sufocante e bela, temos estas duas entidades. Cada uma delas replica, em som, as emoções que as compõem; escuros e mortos, sofridos e apaixonados… ainda agora começou o ano e somos “abençoados” com tamanha preciosidade. Não, não creio exagerar, meus amigos. De seguida veremos as razões…

Não esperava este split, ainda que tenha uma vaga lembrança de ter lido algo acerca da possibilidade disto avançar, mas há largos anos, portanto foi uma surpresa. Percebi depois que alguns samples tinham sido colocados online, mas só recentemente soube de tal. Disto isto, carreguei PLAY. Tanto Penitência como Vapulah são grupos que, infelizmente, são pouco activos, sendo que Vapulah aparece como tendo cessado actividade – esperemos que este split mude este estado.

Quanto à música propriamente dita, este trabalho começa com o contributo de Penitência, e quão brilhante é o mesmo?! “Concerto em Cinzas N.º2”, assim se intitula a oferenda de Penitência. 4 músicas com um encadeamento a roçar a perfeição. Como o própio nome indica, estamos perante 4 músicas que se complementam, 4 peças de um puzzle. As melodias remetem-me para as ideias que expressei no início: a singularidade e brilhantismo do Black Metal português estão reflectidos neste trabalho. Quase que se sente a honestidade e o “sangue, suor e lágrimas” que os músicos depositaram neste trabalho. Dizer que facilmente se encaixa na ideia que as pessoas têm da cena nacional, é um erro; mais uma vez, a singularidade das melodias, das linhas vocais, cantadas ou mais ásperas, esta dualidade engrandece a obra. De mencionar que ambos os músicos – Pestilens e Devasth – formaram parte de outra entidade muito particular da cena nacional: Lux Ferre. Mas será que Penitência é uma extensão de Lux Ferre? Em certos aspectos arrisco dizer que sim. Lux Ferre não era, nos seus últimos tempos, uma banda linear. Nunca perdeu o sentido do Black Metal, mas o som “cresceu”. Penitência é um pouco isso, Penitência é um pouco como Omitir: diferentes, singulares. As 4 músicas que compõem o lado de Penitência são belíssimas, são portuguesas…

Vapulah. Formados em 2003, por Sephirus e Alvahagal, ambos outrora parte de Acceptus Noctifer, mais uma entidade tão diferentes de muito do que existe hoje, ontem, sempre… depois de 2 Demos, assumi que Vapulah tinha decidido pôr fim a esta aventura, mas ei-nos chegados a 2023, e surpresa! Esta “parte B” é mais agreste que o lado destinado a Penitência, sem dúvida. Mais ásperos e viscerais, mantém as melodias melancólicas e tão nossas, que serviram de base ao que veio antes deles. Engraçado que, ainda que ambas as bandas sejam diferentes na forma como abordam o som, neste trabalho acabam por se complementar. É essa magistral combinação que torna este split tão forte, na minha opinião. O sentido geral é o de desepero e desolação; uma desilusão humana, penosa e deprimente. As duas perspectivas da mesma realidade criou esta simbiose tão imperfeita, mas tão alinhada. As vocalizações de Alvahagal, portadores de uma dor e um peso, como que estranhamente tornam a música mais leve e serena. A serenidade no meio do Caos, quiçá. Em termos de música, temos um Black Metal mais marcado e impactante no sentido em que há uma agressividade – bela – presente. Há linhas de Acceptus Noctifer, há decadência. Há decadência nestas músicas.

Já mais de uma vez mencionei que as lacunas técnicas me impedem de analisar a música como ela merece, e dessa forma muito se perderá. Em contrapartida, há imensa emoção e sentimento. São lançamentos deste tipo que me mostram as razões pelas quais o género não é somente música, por mais que se queira ver assim. Começamos 2023 de forma gloriosa.

8.5/10
Daniel Pinheiro


Iron Void – “IV”

2023 – Shadow Kingdom

O doom metal não é um género esmagadoramente apreciado por todos os fãs de música pesada. Há algo na sua génese que o impede. Não é festivo, não é imediato mas a falta destas características fazem com que seja música que nos chega com uma capacidade efectiva a longo prazo superior. Isto, claro, se estiveres perante uma obra de qualidade superior. Os Iron Void e este seu quarto trabalho pode-se inserir perfeitamente nesta categoria. Com uma classe que tem vindo a escapar a bandas como Candlemass, os Iron Void vão buscar as referências mestres da mistura de heavy com doom metal para trazer um álbum que mesmo sem fazer ferver o sangue para os tais fãs de música mais directa, é rico em temas cheios de classe, como “She” que é de uma sensibilidade incomum para o género. Bom regresso, bom álbum.

8/10
Fernando Ferreira


Kishi – “Khaos“

2023 – Edição de Autor

Que excelente surpresa esta dos angolanos Kishi. Este EP é o segundo lançamento da sua carreira – já tinha lançado a estreia em 2018 – e aquilo que apresentam aqui é um rock/metal bem musculado que até encaixa na descrição de stoner. Encaixa mais ou menos já que a banda apresenta-se com uma vitalidade que não coaduna muito com o stoner. Temos cinco temas, sendo que quatro são cantados em inglês e o primeiro, e melhor do EP, “69 Feiticeiros e 14 Bruxas” está em português. Apesar de ser mais comum haver uma ligação com o inglês na música pesada, neste caso o português resulta bem e até há uma certe decepção de não prosseguirem com essa opção para os restantes temas. Groove, peso e muita energia, sendo que é mais um passo numa carreira que poderá saltar as fronteiras do seu país.

7.5/10
Fernando Ferreira


Re-Buried – “Repulsive Nature”

2023 – Translation Loss

Sim, ainda existem bandas de death metal a lançar os seus álbuns de estreia. E vindos dos E.U.A., onde, a acreditar pelo que se vê e ouve no mainstream, já não há mais nada que hip-hop. Os Re-Buried têm um amor imortal ao death metal mais mainstream e acreditamos que seja algo que vamos  ver da parte deles durante muito tempo. Cavernoso e impiedoso, a relambrar as propostas mais na onda dos primeiros trabalhos de Incantation e que focam-se mais na atmosfera e na brutalidade do que propriamente na componente mais técnica. É o foco no riff e a forma como este se cola à cabeça da vítima que se sente como sente sendo a sua prioridade. Não surpreende nem revoluciona nada mas vai ao encontro de quem gosta do elemento mais primitivo no death metal.

7/10
Fernando Ferreira


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