Entrevista – Miss Cadaver
O ‘workaholic’ português Rui Vieira (Machinergy, Baktheria, Cisne Negro, Bicéfalo, Imunity, D2a2n) é o nome por trás de toda a concepção do Miss Cadaver. Ao seu lado ele tem o baterista Helder Rodrigues e traz em seu segundo disco, “Mänifestvm Raivus”, uma mescla intensa entre Death, Thrash e Hardcore, além de flertar com outros subgêneros. Com uma temática que se encaixa até em nossos ‘padrões’, Rui conversou com a World Of Metal sobre isso e tudo que envolve o trabalho, entre outros assuntos.
Por Vitor Franceschini
Primeiro queria que falasses do porquê de demorarem para lançar o segundo álbum dos Miss Cadaver. Seria devido ao relançamento da estreua “Morte ao Fado” em 2015 ou outro motivo?
Rui Vieira: O tempo entre o 1.º e 2.º discos aconteceu de forma natural. Por um lado, não houve pressão ou qualquer deadline, por outro, o tempo passa rápido e existem outros projetos, sejam musicais ou de outra natureza, e também a vida normal, família, emprego, etc. No fundo, acho que esse ‘go with the flow’ só veio ajudar ao produto final. Os temas foram amadurecendo com os dias até ficarem no ponto!
As composições de “Mänifestvm Raivus” descendem de algum período ou foram compostas exactamente para este disco?
Rui: Estas novas músicas foram compostas neste intervalo de tempo, mas algumas já vêm da altura da concepção de “Morte Ao Fado” (2011), embora como embriões. Mas qualquer tema que aborde em Miss Cadaver, poderá sempre encaixar em qualquer novo trabalho, pois os assuntos são recorrentes, ou seja, toda a porcaria que infesta o nosso Portugal e, em última análise, a sociedade em geral.
E como vocês trabalharam o processo de composição? Enfim, como a banda trabalha neste sentido?
Rui: Parte tudo de mim. Escrevo uma letra, saco um riff na guitarra e depois vou ‘trauteando’ mentalmente. E uma coisa vai-se complementando à outra. É fácil. Eu trabalho muito com a cabeça e pouco com a guitarra. Depois mostro ao Helder Rodrigues (bateria) e digo o que quero e no fim, ou fica como pensado inicialmente ou ele surge com uma ideia ainda melhor. Em “Mänifestvm Raivus”, a bateria que ele criou fez toda a diferença!
Qual a principal diferença entre “Mänifestvm Raivus” e “Morte ao Fado”?
Rui: Começa logo pela mix/master. Sem dúvida que o dedo do Paulo Vieira foi fundamental para dar a estas músicas a dimensão que precisavam. Essa é a grande diferença. Mas também a própria composição, mais melódica e incisiva, mais ‘sing-a-long’. Esforcei-me por criar refrães fortes e que ficassem a “moer” na cabeça. Só assim é que também consegues passar a mensagem!
A sonoridade dos Miss Cadaver misturam vários estilos, creio que influências dos músicos. Porém, vocês conseguem manter um equilíbrio. Isso é algo proposital ou vocês deixam fluírem naturalmente?
Rui: É mesmo natural! Tenho as minhas influências (ouço de tudo) e isso acaba por traduzir-se na música que crio. Não estou interessado em seguir modas ou correntes. Há um foco – no caso de Miss Cadaver, uma atitude “in your face” – e as coisas fluem naturalmente com esse objetivo.
E por que optam por cantar em português? Qual a vantagem e desvantagem em compor na língua pátria?
Rui: Esse factor/condição era inevitável! A mensagem é, em primeiro lugar, para dentro, para nós, portugueses. É cá que sofro as contingências e injustiças do sistema. Como tal, o conteúdo lírico tinha de ser em português, pois noutra língua (por exemplo, inglês), seria demasiado genérico embora se adaptasse, pois os assuntos são válidos para qualquer país corrupto do mundo! Mas eu quero gritar a plenos pulmões em bom português para que não restem dúvidas do que pretendo dizer, como se costuma dizer, “chamar os bois pelos nomes”!
Apesar de vocês investirem numa sonoridade extrema, nota-se um certo cuidado com a produção, que é muito boa, por sinal. Como foi o trabalho de produção do disco? Vocês atingiram o resultado desejado?
Rui: Plenamente! O Paulo Vieira (produtor) foi fulcral na fase final de mixagem e masterização de “Mänifestvm Raivus”. Ele deu o equilíbrio que procurava, ou seja, está agressivo e, ao mesmo tempo, suave e fluído. Acaba por agradar a muita gente, pessoal que curte um bom Thrash, mas também Punk ou Hardcore. Tem o melhor desses vários mundos!
Uma coisa que chama atenção são os temas das músicas. Em várias delas vocês abordam questões sociais, culturais e políticos do país, que, acredito que com exceção da violência, se assemelha muito aos do Brasil. Fala um pouco sobre este tema e essa infeliz coincidência.
Rui: É verdade! Costumo dizer que Portugal é o novo Brasil e, apesar de sermos considerados um dos países mais pacíficos do mundo (3.º segundo recente estudo, depois da Islândia e Nova Zelândia), este retângulo à beira-mar plantado é governado e dominado por corruptos. O nível de corrupção é total e vai de baixo até ao topo da pirâmide. Os exemplos não existem e há duas justiças: a dos pobres (que funciona) e a dos ricos (que não funciona… ou até funciona, mas para eles). Como referes, a parte da violência é um pouco diferente, até ver! Diz-se que o povo português é sereno e talvez seja por isso que nos vamos aguentado “à bomboca”, uma expressão que usamos por cá! Não gostamos de confusões, com o que isso tem de bom (pouca violência) e de mau (inação).
Aliás, como anda Portugal neste sentido social, econômico, cultural e político?
Rui: Neste momento, há uma aparente acalmia com o recente governo/aliança das esquerdas. O anterior governo de direita destruiu este país com a fórmula fatal da austeridade, imposta pelos canibais do FMI. Basicamente, o que já aconteceu com o Brasil. Houve um grande surto de emigração de jovens formados e um crescimento da pobreza. Fomos bombardeados com um enorme aumento de impostos (injustos) enquanto os ricos se tornaram mais ricos e poderosos. Basicamente, tivemos o Salazar n.º 2 a governar-nos. Caso não saibam, Salazar foi o ditador português que esteve no poder durante 40 e tal anos.
Como tem sido o ‘feedback’ em relação a “Mänifestvm Raivus”, tanto por parte da crítica quanto pelo público? Já deu pra sentir um retorno mesmo o trabalho tendo sido lançado há tão pouco tempo?
Rui: Fantástico! Tem sido unânime em relação à produção, ao artwork, ao ficar na cabeça dias a fio! Estou super feliz por ver esse retorno, afinal também trabalhei arduamente para ele. O disco tem sido um sucesso e quem o ouve não esquece! Ainda bem, esse era o meu objetivo.
A cena portuguesa é prolífica em termos de Metal, mas, assim como aqui, tem força mais no underground. Fale um pouco de como anda o cenário metálico por aí, bandas que você indicaria…?
Rui: Temos uma cena underground bastante rica, sem dúvida. Todos os dias saem álbuns novos, há muitos concertos, há vontade em dinamizar a cena. Mas também temos algumas lacunas, principalmente no plano de shows. Ainda não existe um circuito profissional e que projete as bandas como elas merecem. Mas vai, com o tempo. Quanto a bandas, fica difícil responder a essa pergunta, pois poderei estar a ser injusto. Mas se forem ao Encyclopedia Metallum e selecionarem Portugal, as opções serão infindáveis!
Rui, trabalhas em diversos projectos, além dos Miss Cadaver, como Machinergy, Baktheria, entre outros. Como lidar com tanta coisa e conseguir manter qualidade boa em todas?
Rui: Obrigado pela apreciação! Acho que consigo fazer a destrinça necessária e sim, cada vez mais com o foco de qualidade seja qual for o projeto. Isso engloba a música, mas também o artwork, a embalagem, etc, Tudo é importante, pois vai ficar congelado no tempo e será a nossa herança. Sobre o conteúdo musical, é claro que há sempre uma marca d’água, algo comum a todos eles. Talvez um toque Thrash, pois essa é a minha escola seminal. Ainda assim, penso que cada projeto/banda tem a sua identidade e objetivos sendo que uma mensagem forte está sempre presente em todos.
Aliás, há algo que queiras adiantar em trabalhos futuros?
Rui: Estou com mais dois novos projetos em mãos! Um já está em adiantado estado, com muita coisa gravada em estúdio, o outro ainda está só na cabeça, mas já existe uma ideia para o produto final e será algo completamente novo para mim, um desafio inédito! Outros se seguirão, pois a minha missão é criar!