Reportagem Katatonia, Agent Fresco, Vola @ Lisboa Ao Vivo, Lisboa, 14/10/16
Esta antecipava-se como uma noite especial para muitos e por vários motivos. O principal era o regresso dos Katatonia ao nosso país escassos meses após a sua participação na primeira edição do VOA. Já não é a primeira vez em que as bandas que tocam em festivais de Verão, surgem pouco mais tarde em datas “a solo” no nosso país, mas tínhamos curiosidade se o impacto da banda sobre os seus fãs se manteria forte, ao ponto de encher o mais recente espaço lisboeta para concertos, a sala Lisboa Ao Vivo. Mas já lá vamos. Comecemos antes de mais pela sala em si. Um espaço muito bom, oferecendo-se como uma alternativa para os concertos que tenham uma procura mais acentuada do que aqueles que já temos. A fazer lembrar o saudoso Hard Club de Vila Nova de Gaia, sem o encanto vintage, é certo, a sala promete ser uma grande alternativa para os casos em que temos bandas que levam atrás de si muitos fãs para um Paradise Garage ou um RCA Club mas que não têm capacidade para encher um Coliseu.
Nesta digressão europeia, os Katatonia fizeram-se acompanhar por duas bandas que não são propriamente muito conhecidas do público português – na realidade, foi a primeira vez para as duas – mas isso não impediu que fossem muito bem recebidas. Verdade seja dita, as suas prestações também ajudaram ao facto. A primeira banda da noite foram os dinamarqueses Vola, que acabaram de reeditar recentemente o seu primeiro álbum de originais, “Inmazes”. Donos de uma sonoridade rica em atmosfera e com tiques progressivos – em muitos momentos fazem lembrar os Riverside – mas também lhe juntando um peso rítmico ao qual o djent não é estranho, os Vola conseguiram cativar o público do Lisboa Ao Vivo em pouco tempo.
“The Same War” abriu as hostilidades, mas foi com “Starburn”, a emocional e intimista “Emily” e com o mais recente single “Stray The Skies” (pesadíssimo) que a banda conquistou muitos fãs. Ficou a vontade por parte grande parte do público de ir conhecer mais acerca da banda dinamarquesa e revelou-se uma abertura mais que apropriada. De salientar que o início foi feito para uma audiência ainda a meio gás – a tradição do português em chegar atrasado aos eventos continua a ser o que era – mas que no final já estava bem mais composta.
Ainda mais composta foi a audiência para os Agent Fresco, a mais recente revelação internacional vinda da Islândia que recentemente ganharam o prémio de álbum e vocalista do ano nos prémios de música islandeses. O início deu-se de forma algo atípica, mas mais que apropriada para o viríamos a conhecer como o som da banda: intimista, movido a piano, bateria, baixo e voz. “Anemoi” é uma peça emotiva de excelente qualidade que é também uma forma perfeita de introduzir a banda islandesa, principalmente quando seguida pela mais intensa “He Is Listening”. Tal como os Vola, os Agent Fresco também usam (e abusam) do rigor rítmico como base do seu som. A diferença talvez entre as duas bandas seja o facto dos Agent Fresco terem a sensibilidade apurada, muito graças à abordagem de Arnór Dan Arnarson na voz – uma das prestações mais incríveis que vimos nos últimos tempos por parte de um vocalista. Uma coisa é o estúdio, outra coisa é transportar para cima dos palcos tal emotividade, tal perfeição na interpretação dos temas.
A sensibilidade não foi exclusiva ao vocalista, já que todos os elementos demonstravam estar quase em transe, principalmente o guitarrista/teclista Þórarinn Guðnason, que parecia que estava numa viagem astral. Arnór também se revelou um mestre de ceremónias emotivo, referindo por várias vezes de que estavam encantados por estar ali, com uma reacção tão calorosa, sendo a primeira visita ao nosso país, agradecendo a presença do público que por aquela altura já tinham enchido a sala. Referiu também que tinham a indicação que tinham mais algum tempo do que o costume e como tal iam atender o pedido da fã Maria Silva e tocar o tema “Bemoan”, dedicando-lhe a ela. E este foi apenas mais um exemplo da extrema sensibilidade da banda e da forma como se sentiu que aquele concerto estava a ser mesmo especial e não apenas mais uma data numa digressão.
Sensibilidade acrescida quando Arnór disse que iriam tocar uma música que normalmente encerra os seus concertos, que foi inspirada pela morte do seu pai. Referiu ainda que não queria estragar a boa disposição do público, indicando que essa música (“Eyes Of A Cloud Catcher”) se trata de uma lembrança em como são importantes todos os momentos que vivemos, como a vida é especial e momentos como aquele em que estavam a pisar aquele palco deveria ser celebrado. “The Autumn Red” fechou uma actuação apoteótica, em que Arnór foi cantar mesmo junto ao público, aumentando ainda mais os níveis de energia, energia devolvida depois pelo público. Sem dúvida que quem ia para ver apenas unicamente Katatonia saiu dali bem mais rico, com mais dois bons nomes de música emocional.
Por falar em Katatonia, a banda da noite subiu ao palco já com o público na mão. Para quem se interrogava da validade deste concerto tão pouco tempo depois do último (pouco mais de dois meses), temos a dizer que o alinhamento foi substancialmente diferente e que os concertos de festival são sempre diferentes daqueles que a banda dá em nome próprio, havendo até fãs que sentem que os concertos de festival ficam sempre a saber a pouco. A promover o recente “The Fall Of Hearts”, a banda começou precisamente por uma música desse trabalho mais recente, “Last Song Before The Fade”, uma abertura adequada para um actuação praticamente sem falhas, onde tudo esteve perfeito, do som à própria performance em palco da banda. Por falar no som, pequena nota para a qualidade acústica da sala e para o som perfeito que todas as bandas tiveram direito com o público a sair claramente a ganhar. No caso dos Katatonia, notou-se claramente um acréscimo no volume do som mas, como já afirmámos atrás, isso não fez com que o som tivesse menos qualidade.
Seria de esperar que o grande destaque da actuação fosse o já mencionado último álbum de originais mas o álbum que teve direito a mais tempo de antena foi “The Great Cold Distance” editado há precisamente dez anos, num total de seis músicas, duas das quais tendo sido tocadas já no encore (as inevitáveis “My Twin” e “July”). Apesar disso, houve tempo para revisitar quase toda a carreira da banda, sendo que a incursão mais profunda na sua discografia foi o que já é um velho clássico: “Saw You Drown” do “Discouraged Ones”. Tanto esta como a “Teargas” do “Last Fair Deal Gone Down” e a “For My Demons” do “Tonight’s Decision” foram todas recebidas com bastante entusiasmo, principalmente a “Teargas” que é possível que tenha sido o primeiro grande sucesso da banda.
Pequena curiosidade para o facto de que quando Jonas Renske (muito afável e comunicado, à sua maneira muito própria, sóbria e nórdica de transmitir emoções) anunciou a “Saw You Drown”, referiu que iam tocar algo ainda mais antigo que “Teargas” mas que não era do mais antigo que tinham, ou seja, os únicos álbuns que ficaram de fora, os clássicos “Dance Of December Souls” e o excelente “Brave Murder Day”. É certo que são dois álbuns já distantes daquilo onde a banda se encontra agora, especialmente o primeiro, com uma forte base no death/doom, mas seria uma excelente surpresa termos tido umas incursões mais profundas pelo passado. Ainda assim, e sendo este um desejo muito pessoal, o público estava completamente rendido com músicas como “Criminals”,”Forsaker” e “Dead Letters.
Renske não se cansou de agradecer também a presença do público que encheu o Lisboa Ao Vivo e este de certeza que não se arrependeu por ter investido dinheiro nesta maneira especial de acabar a semana de trabalho. Esta actuação foi a prova de que havendo qualidade (e que grande qualidade tiveram também as bandas de abertura, nunca é demais referir) as bandas até podem vir todos os meses ao nosso país, que o público definitivamente que comparecerá em peso, como foi um caso. Grande noite de música emocional, abrilhantada por três bandas de qualidade muito acima da média, um som fantástico e um público a condizer.