ReportUncategorized

Reportagem – Reverence Valada 2016 – Dia 2 – 9 de Setembro, Parque das Merendas, Valada, Cartaxo

Depois de um primeiro dia muito bom do Reverence Valada (conferir aqui a primeira parte), era chegada a hora de alargar o leque, abrir os braços e de tentar fazer o (quase) impossível: fazer a cobertura de todas as propostas musicais (exceptuando as que se referiam aos DJs a passar música) em pleno. Foi algo que conseguimos fazer mas que viria a ter consequências no futuro próximo, como poderão conferir na terceira e última parte desta reportagem. De qualquer forma, esta autêntica jornada revelou-se muito proveitosa principalmente à elevada qualidade das propostas que estavam apontadas para este segundo dia. Vamos então começar.
Neste segundo dia, as honras de abertura couberam aos Ossos D’Ouvido, que ganharam o concurso que visava encontrar duas bandas para actuar no mesmo – a outra banda foram os Moloch. E não poderia ter sido uma abertura melhor. A banda de Benavente, apesar de ser um power trio jovem, com as idades a rondar os 19 anos, mostrou classe, talento e maturidade de veteranos, com uma sonoridade que qualquer fã de rock pesado não ficará indiferente, com piscadelas de olho do hard rock ao progressivo onde nomes como Pink Floyd, Camel, Led Zeppelin surgem-nos imediatamente na mente como referências. Mais do que a importância de ser original, é a capacidade de envolver o espectador nas suas jams longas que entusiasmam qualquer melómano, que foi precisamente o que aconteceu com a plateia já considerável, ficando rendida. Sem dúvida uma banda a acompanhar.
Para o mesmo palco (Indiegente), vieram de Leiria os Twin Transistors que apresentaram o seu rock ligeiramente psicadélico mas muito envolvente. “Sun Of Wolves”, o álbum de estreia da banda, foi o centro da actuação com grande destaque para o tema título, exemplo de uma actuação que teve muitos momentos hipnóticos em crescendo. Foi uma boa apresentação para o público que não o conhecia e mais um bom nome do rock psicadélico nacional, que não fica a dever nada ao que se faz lá fora. Gostaríamos de os voltar a ver num palco maior e com melhor som.
Foi com os The Black Wizards que se iniciou a saga dos saltimbancos da World Of Metal, onde andamos a saltitar de palco em palco (salvo seja), já que foi a partir deste ponto que os concertos se intensificaram, espalhando-se pelos três palcos. No caso para assistirmos ao concerto dos The Black Wizards, era o nosso regresso ao Palco Rio onde tinham decorrido as propostas todas do dia anterior. De forma a cobrirmos todos os concertos, tivemos que sacrificar o final para podermos assistir a proposta seguinte noutro palco, o que no caso dos The Black Wizards foi bastante doloroso (para não dizer criminoso), já que a banda estava inspiradíssima – também nunca os vimos desinspirados. Não foi por acaso que a plateia à frente do palco se encheu rapidamente para ouvir o seu heavy rock cheio de alma com tanto de Jimi Hendrix como de Black Sabbath. A abrir logo com épico “Wicked Brain” retirado do seu álbum de estreia, lançado no final do ano passado, foi o indicativo para uma prestação mágica, cheia de garra e feeling que só quem gosta de rock cheio de fuzz com cheirinho a blues consegue entender. 
Custou-nos deixar a actuação dos The Black Wizards mas o que atenuou a dor foi o facto de irmos ver os Miss Lava, aquela força da natureza traduzida em rock. Quando chegámos ao palco Indiegente, a banda lisboeta já estava a hipnotizar os presentes e os que estavam a chegar aos poucos. O número de espectadores foi inferior ao que a banda merece, no entanto, se formos a pensar nisso, não havia espaço no Reverence para albergar tanta gente. De qualquer forma, foi algo que não se reflectiu, nem um pouco, na actuação da banda lisboeta que, como já seria de esperar, rockaram como se não houvesse amanhã. Com três álbuns às costas, a banda passeou confortavelmente pelo seu reportório sendo que teremos que destacar a já clássica “Ride”.
Inaugurando o palco Sontronics, estiveram os Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs, a banda que tem o som tão peculiar como a sua designação. Para quem ainda estava a dormir, os Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs deram-lhes o tratamento necessário para acordar violentamente. Misturando o rock psicadélico com uma abordagem mais suja do punk, a banda espalhou porrada sonora para quem os estava a ouvir. O vocalista Matt Baty mostrou-nos o que é estar possuído pelo chifrudo, literalmente, berrando como se não houvesse amanhã e com a sua própria voz a ajudar ao factor repetição da música da banda inglesa, que fazia com que o factor hipnótico da mesma nos parecesse transitar tanto do sludge para o funeral doom.
Contrariando as tendências violentas do som dos Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs Pigs, fomos ver os LSD And The Search For God no palco Rio que nos brindou com o seu shoegaze emocionalmente intenso. Apesar do pé estar vincado no shoegaze, a banda não se confina às suas fronteiras, indo também para os lados do space rock e do rock psicadélico. Apesar de quem se deparasse com aquele cenário pudesse presumir que a música não estava a ter grande impacto no público, pelo mesmo permanecer muito quieto (um pouco à semelhança da banda, bastaria aguardar até ao final de músicas como “I Don’t Care” e “Let It Go” para apreciar a reacção positiva por parte dos espectadores.
Mudando a caravana para o palco Indiegente, chegava a vez dos Dirty Coal Train, banda lisboeta que apesar de poder ser uma novidade para muitos, já tem uma carreira considerável no seu rock sujo e arraçado de punk. O que mais nos impressionou foi mesmo a sua energia, sendo uma verdadeira surpresa  ouvir por parte da banda um pedido desculpas pela performance já que tinham vindo do hospital para Valada. Se tocam assim quando vêm do hospital só podemos imaginar como é quando estão a 100%! Uma verdadeira bomba energética que cativou, contagiou e envolveu o público.
Supostamente no palco Sontronics deveríamos ouvir os The Papermoon Sessions, que é a junção dos dinamarqueses Papir com os alemães Electric Moon. No entanto, e infelizmente, a parte alemã do projecto teve que cancelar, o que obrigou a uma solução de recurso que para nós foi perfeita. Contando com Dr. Space dos Øresound Space Collective (onde também o baterista Christoffer Brøchmanns e o guitarrista Nicklas Sørensens dão uma perninha), foi o suficiente para mergulharmos no seu pós-rock viajante e espacial que nos brindou por cerca de uma hora. Infelizmente não conhecemos The Papermoon Sessions, pelo que não sabemos o que teríamos, mas o que podemos dizer é que esta jam improvisada caiu-nos que nem ginjas. Transcendental para dizer o mínimo. O público que ia chegando aos poucos após o fim da actuação dos Dirty Coal Train, ficava agarrado, provocando assim a primeira grande enchente do palco Sontronics, totalmente justificada, já que o concerto foi realmente muito bom. Nunca a música de improvação soou tão bem.
No palco Rio, estava uma lenda viva da música electrónica, Silver Apples, que é como quem diz, Simeon Oliver, cujos primórdios de carreira remontam à segunda metade da década de sessenta (!). Apesar de poder ser encaixada facilmente na categoria da música psicadélica, confessamos que a música electrónica a roçar a música de dança, não é de todo o nosso género favorito. De qualquer forma, pelo que pudemos observar, foi muito bem recebido pela assistência, bem composta, em frente ao palco. É de louvar a longevidade deste projecto histórico e também um bom indicativo do espírito e horizontes abertos tanto da organização como do próprio público.
De volta a algo mais orgânico, viajámos para o palco Indiegente, onde estava a banda de Fast Eddie Nelson que era composta pelo próprio e por amigos, entre eles, membros dos Correia. Fast Eddie Nelson avisou logo que tinha deixado de beber há pouco tempo e que por isso não sabia muito bem como ia correr. Bem, o palco Indiegente parecia estar cheio de condicionantes mas como aconteceu com os Dirty Coal Train, o som estava mesmo explosivo, o que nos leva a crer que abstinência pode ser um potenciador sonoro que de certeza ninguém esperava que existisse. Fora de brincadeiras, o som da banda estava realmente potente. Não bastasse o rockão forte e gingão, clássico com cheirinho a blues, o som em sim também tinha uma pujança impressionante. Já é conhecida a tendência de Fast Eddie Nelson para grandes performances, mas no segundo dia do Reverence Valada, o músico e amigos arrasaram. “Blues Walking Like A Man” é bom exemplo da jarda que foi o seu concerto. Nota para o facto de Fast Eddie Nelson ter cantado o descalço como o outro a cantar o fado, só que aqui o fado é visceral e bate forte.
Infelizmente tivemos que nos fazer ao caminho mais uma vez em direcção ao palco Sontronics, deixando para trás aquela que foi uma das grandes actuações até então do segundo dia do Reverence Valada. Os senhores que se seguiam foram os Yawning Man, uma lenda viva do stoner/desert rock que influenciaram aqueles que viriam a influenciar muitos: Kyuss. Apesar desse rótulo ser aquele que mais os destaca – o facto de ter um dos seus membros também a tocar no último álbum de originais dos Kyuss também ajudou – a verdade é que esse é apenas o início. Se falarmos em pós-rock (quase) instrumental e rock progressivo, também não estaríamos a fugir muito da verdade. Como se não bastasse, Dr. Space dos Øresound Space Collective também deu lá uma perninha o que transformou o som da banda numa espécie de space rock hipnótico que soou muito bem integrado na identidade da banda.
Com as viagens dos Yawning Man a terminar, era a vez de irmos verificar os Fat White Family que têm feito furor um pouco por todo o lado. Com uma nuvem de fumo que muitas vezes impediu da banda de ser vista pelo público e com um som a condizer com tal nevoeiro artificial – etéreo e viajante – a assistência ficou completamente rendida logo à primeira música, “Tinfoil Deathstar”. Podemos dizer que o rock psicadélico da banda é levado e sentido ao extremo. Exemplo disso foi a performance do vocalista que estava endiabrado, tendo saltado do palco para o público, onde fez uma espécie de circle pit amigável com os fãs que se encontravam na frente .
Da intensidade dos Fat White Family passámos para as ambiências espaciais do stoner dos Dead Meadow – transições que nos soaram sempre como lufadas de ar fresco. A plateia em frente ao palco Sontronics estava composto por uma multidão ávida para iniciar uma viagem a outro estado de consciência, cortesia do power-trio norte-americano. Não é muito difícil perceber porquê. O som, perfeito, e ajudado pelas imagens que passavam no ecrã gigante, foi uma das razões para que a sua actuação fosse tão poderosa. Outra terá sido certamente músicas como “Greensky Greenlake” e “Eyeless Gaze All Eye/Don’t Tell The Riverman” que reflectiram uma actuação irrepreensível.
O último concerto do dia para o palco Indiegente coube aos Correia, numa onda mais directa e rockeira. Os irmãos Corrreia e restante banda arrasaram completo o palco, aliás, como já o tinham feito no Vagos Metal Fest onde os vimos pela última vez), embora desta vez nos parecesse que a banda estava mais ameaçadora, mais letal, talvez por se tratar de um palco mais pequeno e um ambiente algo mais intimista. Infelizmente, mais uma vez o som não colaborou, estando demasiado alto e algo desequilibrado, principalmente nos agudos. Dada a energia da banda, esta questão foi mesmo apenas um pormenor na sua actuação que demonstrou mais uma vez uma banda com garra e potência, metendo todo o público em frente ao palco a mexer. “Deceivers Of The Sun”, o mais recente single da banda, foi um dos temas de destaque.
O som meio rock electrónico meio trip-hop do duo transformado em trio The Raveonettes foi o que nos chamou ao palco Rio onde nos concentrámos em conjunto com uma apreciável dose de público. Embora o som da banda norte-americana fosse mais contemplativo, o público foi embalado pelos ritmos da bateria e distorção electrónicas e pelas melodias vocais que nos fazia lembrar a música popular das décadas de cinquenta e sessenta. “Chain Gang Of Love” e “Love In a Thrashcan” foram dois dos temas que foram muito bem recebidos pelo público.
O palco Sontronics recebia um dos cabeças de cartaz desta edição do Reverence Valada, os The Brian Jonestown Massacre. Assim que começaram a entrar em palco foram aclamados pelo público, demonstrando bem a expectativa para receber a banda norte-americana. “Never Ever”, “Whatever Happened To Them?” e “Geezers” formaram um trio de ataque deixarão todos satisfeitos e com as expectativas bem preenchidas – um hábito bem saudável da maior parte das propostas do cartaz desta edição do festival. O som estava perfeito, assim como a banda em termos de sintonia, havendo a devida recompensa no final de cada música. Não houve grande comunicação com o público mas também não faltaram as músicas desejadas tais como “Pish”, “Leave It Alone” e Prozac “Vs. Heroin”.
No palco Rio era a hora de endurecer o som e os A Place To Bury Strangers eram a grupo ideal para cumprir a sua missão. Com o som caracteristicamente caótico, onde o baixo era o mais audível enquanto a guitarra gritava distorção e feedback, a bateria impiedosamente e a voz tinha toneladas de eco em cima, a banda aterrou em Valada como se fosse uma praga biblíca, os quatros cavaleiros do apocalipse a espalhar morte e destruição em forma sonora. Já vimos e ouvimos muita coisa pesada, desde grindcore vitaminado até power-electronics com mais noise que uma central termoeléctrica em funcionamento, mas a forma como os norte-americanos espancaram não só os ouvidos do público como os próprios instrumentos, é algo épico que fica certamente na história. O caos ia desde a forma como os músicos se mexiam até ao próprio som, com pontadas de feedback capazes de ensurdecer baleias, passando pelas próprias luzes que dificultou nossa tarefar de registar o momento através de fotografias. As luzes e o desviar-nos de pedaços de guitarra atrevidos direitos à nossa cabeça.
Mal refeitos do holocausto nuclear que foi a actuação dos A Place To Bury Strangers seria a vez dos Zone Six, no entanto, como era um projecto com membros dos Electric Moon, teve que se encontrar uma solução de recurso e aquela encontrada até que não foi má de todo. Para dizer a verdade, foi excelente. Nik Turner e os seus New Space Ritual foram chamados para substituir os Zone Six e deram um concertozorro numa toada diferente daquele que iriam dar no dia seguinte. Diferente como? Acentuaram a sua actuação em jams mais próximas do rock’n’roll, onde o saxofone de Nik Turner se fundiu muito bem nos constantes duelos com a guitarra de Steve Jones. Segundo o próprio Nik, o que tocarão naquele dia seria aquilo que não iriam tocar no dia seguinte. Tivemos umas jams a atirar para o jazz experimental e outros de space rock mas sem esquecer o tal rock’n’roll que soou tão bem.
A maratona já era grande e o cansaço já apertava (aumentando ainda mais pensando que teríamos outra vez umas míseras cinco horas de sono para estarmos presentes no dia seguinte no início) mas ainda tínhamos duas bandas para verificar. A primeira foram os The Japonese Girl, banda portuguesa que é um portento de rock psicadélico que conseguiu reunir à sua frente uma boa multidão no palco Rio, quando seria de prever que já estivessem tudo e todos de rastos após o enorme dia em termos de propostas de qualidade. E teremos que dar a mão à palmatória porque só mesmo um som com a intensidade dos Japonese Girl para conseguir reunir tanto interesse. Rock psicadélico enigmático e hipnótico e uma banda a conhecer.
A noite finalizou-se, em termos de bandas, com os Ozric Tentacles que tiveram algumas dificuldades técnicas em iniciar a sua actuação que começou vinte minutos mais tarde. Segundo a vocalista e baixista Brandi Wynne, esse mesmo atraso levou a que tivessem de proceder a algumas alterações no alinhamento. A actuação dos Ozric Tentacles inseriu-se nas Sunrise Sessions, ou seja, iria durar até ao nascer do sol. Apesar do atraso foi impressionante, tal como aconteceu com os Japonese Girl, verificar o número de espectadores que esperaram pela actuação, apesar de serem praticamente quatro da manhã. De qualquer maneira, e com ou sem alterações de alinhamento, os Ozric Tentacles dominaram com o seu space rock progressivo que foi o ponto de final perfeito para um grande dia de festival. Se há alguma banda a qual ouviriamos tocar mais de duas horas sem nos fartar, definitivamente os Ozric Tentacles são uma delas.
Com o cansaço (esgotamento?) a apertar, fomos para um curto repouso para estarmos prontos para o terceiro e último dia da edição 2016 do Reverence Valada.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Fica a saber como são processados os dados dos comentários.