WOM Report – Batushka, Gaerea @ RCA Club, Lisboa – 24.09.18
Finalmente Batushka! Desde daquela madrugada de 2017, no Vagos Metal Fest, que muitos fizeram o voto de os ver novamente – os que estiveram presentes no festival mas também os que não estiveram – depois de largos meses de antecipação, um RCA completamente cheio numa noite sufocante recebeu a banda polaca de forma entusiasta, mas também solene. Isto depois de terem sido muito bem aquecidos.
Aquecidos da melhor forma, acrescento, por uma das grandes bandas nacionais a surgir nos últimos anos: Gaerea. Apesar de terem apenas dois anos, nesses dois anos lançaram um EP e um álbum de valor inestimável, ao nível de qualquer outra proposta de topo. O ambiente era soturno, tal como seria apropriado para a autêntica aula de escuridão claustrofóbica que seria dada. A banda não comunicaria com o público. Para quê? A música já dizia tudo, deixando todos os presentes rendidos graças à vida (sim, também há vida na morte) que temas como “Absent” e “Extention To Nothingness” ganham em cima do palco.
Com uma componente teatral impressionante (onde obviamente teremos que destacar o suporte de micro enxertado numa árvore), que se fundiu na perfeição com os elementos cénicos dos Batushka já presentes no palco, este não foi um concerto normal de black metal. Nem tão pouco de metal. Foi uma experiência sónica que serve para olhar para o abismo que cada um de nós possui dentro de si e que anda praticamente uma vida inteira a fugir do mesmo. Os Gaerea mostraram que não há fuga, não há esperança, apenas o abismo. Ainda que esse abismo possa ser belo como efectivamente é. Não poderia haver proposta mais adequada para os senhores que seguiriam.
Já era sabido que os Batushka não são uma banda normal. Aliás, só a premissa de termos uma banda que assenta o seu conceito cénico e até lírico nos ritos religiosos, mais concretamente da liturgia católica ortodoxa é algo único. Deveria ser, por isso mesmo, algo fácil de descrever. Nada mais errado. Todos os gimmicks (muito famosos hoje em dia para fazer a diferença numa era em que se pensa e muitas vezes se sente que já se viu e ouviu tudo) têm um único intuito: aprofundar a atmosfera de forma a criar um mundo aparte, algo que é atingido com um sucesso avassalador. De uma forma que ainda estamos para ver superar. Esta era a nossa opinião após o já mencionado concerto no Vagos Metal Fest na sua edição de 2017 que ficou ainda mais reforçada após o concerto no RCA Club.
Começou como o álbum “Litourgiya” (o único da sua carreira até ao momento presente) começa, com os sinos a soar e com os elementos da banda a entrarem em palco, ao som das palmas que se faziam ouvir a acompanhar. Foi uma constante ao longo deste concerto que, tal como aconteceu com os Gaerea, não houve qualquer comunicação com o público a não ser por gestos e vénias que foram feitas, recebidas e/ou antecedidas por salva de palmas. A preparar o ambiente, o primeiro guitarrista acende as velas e coloca-se na sua posição, com os restantes membros a subir ao palco inclusive o baterista que estava do lado direito, atrás de um biombo, praticamente arredado da vista mas não da audição – o que se compreende já o que se pretendia era um ambiente solene com movimentos muito lentos, algo que os blastbeats poderiam distrair.
Todo o ritualismo, toda a componente de imagem só serviram para tornar mais reais as melodias ora melancólicas ora solenes que nos transportavam para um lugar inesperado. Um lugar de comunhão que se materializou oficialmente quando Варфоломей entrou em palco, sacerdote, padre (Batushka em cirílico), com o turíbulo a espalhar o incenso para afastar os maus espíritos e iniciar a vigília noturna. E durante cerca de uma hora foi um desfilar de melodias ora sem distorção, ora em tremolo picking apoiadas na bateria possante e num baixo omnipresente que para além da função que têm vulgarmente num contexto de uma banda de metal, aqui servem como paredes e telhado para esta igreja que nos elevou aos céus – ou às profundezas dos infernos. A dualidade foi uma constante ao longo da sua actuação. Nevoeiro denso que se espalhou por toda a sala como se fosse uma entidade viva que acompanhava a banda, esta foi uma noite memorável que chegou ao final, para muitos, quase de repente. Mesmo com a banda tendo saído do palco, ainda havia quem esperava esperançoso por um encore, mesmo quando a música do RCA, de um contexto completamente diferente, já se fazia ouvir. Acabou e não deixamos de admitir um certo vazio que ficou preenchido apenas pela esperança de que, tal como houve uma segunda vinda, exista uma terceira. A romaria para a liturgia estará certamente presente. Deus lo vult.
Texto por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
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