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Reportagem Oeste Underground Fest II @ Pavilhão Multiusos, Malveira – 04/11/17

Não sabemos bem como começar este relato da grande maratona que foi a segunda edição do Oeste Underground Fest que ocorreu no Pavilhão Multiusos na Malveira. Talvez a que faz mais sentido é o motivo da mesma ter acontecido, pelo segundo ano consecutivo – a ajuda aos bombeiros voluntários, neste caso específico, os bombeiros voluntários da Malveira. Se esta iniciativa faz sempre sentido, depois do ano trágico que tivemos em termos de incêndios, de perda de património florestal, da fauna e da flora e sobretudo das perdas de vidas, agora, mais que nunca, a mesma assume uma força ainda maior. Não só para os bombeiros das Malveiras mas como símbolo do apoio a todos os que dão parte da sua vida (e muitas vezes a vida toda!) para ajudar os outros.

Chegámos ao recinto por volta das três horas e estava a ser efectuado o soundcheck dos Yar, a primeira das catorze bandas (14!). A banda ucraniana sediada actualmente em Portugal é dona de uma sonoridade pouco usual onde o folk, o metal extremo convergem com estruturas musicais mais complexas. Infelizmente o som estava demasiado alto para que conseguíssemos discernir na totalidade o que vinha do palco. A dificuldade maior vinha mesmo em tentar decifrar o que o frontman Stanislav Savchenko dizia nos intervalos das músicas. Apesar do público ainda ser pouco e estar algo tímido, foi um bom início de festividades.

Os mestres do crossover ribatejano Konad comprovaram o cartaz ecléctico desta segunda edição e também a riqueza do nosso underground. Com um som superior em qualidade em relação aos Yar, a banda distribuiu fruta thrash/hardcore como é o seu hábito e uma energia contagiante, só ficou a faltar mais acção à frente do palco, no entanto isso é algo que a banda está completamente livre de responsabilidades. De qualquer forma, temas como “Enclaustro Mental”, “Apocalipse” e “Inverno Nuclear” foram espelho do poder que a banda espalhou pelo recinto do Oeste Underground.

Do crossover para o death metal ultra-técnico mas bem viciante. Não escondemos que somos fãs desta jovem banda lisboeta, seja pelo primeiro contacto que tivemos com a banda ao vivo quer pelo excelente trabalho de estreia editado este ano “Upcoming Reality”. As nossas expectativas foram correspondidas, muito graças também a um som cristalino e poderoso que permitiu que todos os detalhes intrincados de composições como “Beyond Compassion” e “Diminished into a Spacetime Interval” nos atingissem como se fossem bate-estacas. É um chavão corrente mas teremos que continuar a tradição: Os Trepid Elucidation são um dos melhores novos valores da música extrema nacional.

A banda que se seguiu poderá não ser tão jovem mas sem dúvida é também uma boa representação do talento que temos no nosso underground. Os Ravensire podem ter uma sonoridade que é tudo menos revolucionária mas a forma como deitam cá para fora o seu heavy metal tradicional faz com que seja sempre um ponto de paragem obrigatório em qualquer cartaz. Apesar de alguns problemas em termos de som (voz demasiado alta e o feedback malandro que insistia em estar à espreita a cada instante) a prestação e a paixão da banda são irrepreensíveis. Não faltaram palavras de louvor quer aos bombeiros quer é à iniciativa de beneficiência do Oeste Underground – e diga-se de passagem, ambas nunca são demasiadas.

Voltando ao hardcore, desta feita um pouco mais melódico, tivemos os F.P.M. (que quer dizer Feio, Porco e Mau) que nos surpreenderam pela positiva com o seu som potente e bastante dinâmico, mais do que se esperaria. Apesar de toda a pujança, infelizmente não conseguiram quebrar a timidez (chamemos-lhe isso) que mantinha o público longe do palco, ao pé das bancas de vendas e do bar, apesar da insistência por parte do vocalista Diogo – tanto insistiu que acabou por ser ele a ir para o público (pelo menos até onde o fio do microfone permitiu) no último tema da actuação. Boa energia, bons pormenores de guitarra e boa atitude. A banda ainda lamentou, através de Diogo, o facto de estarem presentes no festival devido a motivo de doença que levou ao cancelamento dos Steal Your Crown e agradeceu ao público por estar presente para apoiar uma causa tão nobre como esta.

Os Enzephalitis fizeram-nos voltar ao death metal, este com uma dose da sua vertente brutal e slam. A banda sediada na suiça mas que fala muito bem português, principalmente o vocalista Ricardo Proença, que confessou que tinha um sabor especial estar ali, seja pelo regresso ao seu país de origem, seja para apoiar os bombeiros voluntários da Malveira. Com um som super definido e que acentuou a brutalidade inerente à sua música, foi um chamariz para o público se começasse a motivar mais para uns bons bailaricos.

De seguida quando esperávamos que fossem os Bleeding Display a fustigar-nos com o seu death metal impiedoso, surgem-nos os nuestros hermanos Heid. Ficámos a saber mais tarde que foi devido a um atraso de um dos membros dos Bleeding Display que se procedeu à troca. Os Heid foram uma das bandas mais peculiares que subiu ao palco do Oeste Underground, com um black metal melódico e cheio de retinques folk. Com um violinista em palco, a sonoridade diferente cativou o público e trouxe energia e boa disposição sem esquecer o peso e o lado mais extremo. O som flutuou em termos de qualidade, principalmente no volume da voz e do violino, por vezes afogados no meio de todos os outros instrumentos. Uma actuação que serviu para que os Heid ficassem no nosso radar.

Depois do folk extremo dos Heid, foi então chegada a vez dos Bleeding Display, para nós uma outra grande expectativa para este cartaz. Foi também a partir daqui que verificámos o primeiro atraso significativo – o principal inimigo em eventos deste género e que não chegou, felizmente, a atingir proporções significativas dignas de nota. O impacto de ver os Bleeding Display tocar é sempre enorme principalmente pela entrega de Sérgio Afonso, o vocalista possuído (ora com microfone na mão, ora com machado, ora com ambos) que torna ainda mais potente a música de si já bastante forte da banda. Foi também através da voz de Sérgio que ouvimos algo que fez total sentido – em como ali não haviam seguranças da Urban e em como essas coisas só acontecem onde as pessoas estão sempre bem, ambientes que o vocalista não frequenta. Acrescentaríamos que este tipo de iniciativas também são difíceis de encontrar nesses ambientes. “Refinement Of Evil”, “Dark Passenger” e “Remains To Be Seen” são sempre pontos altos para quem gosta de death metal.

E por falar em death metal lusitano, uma eterna referência são os Sacred Sin que representaram mais uma mudança no horário, adiantando-se aos Dead Meat conforme estava programado. Com um som bem forte e bem definido (exceptuando apenas um problema com os pratos de bateria na “Vipers”) os Sacred Sin já não têm nada a provar a quem quer que seja e apesar de terem tido um hiato na sua carreira, continuam a ser uma das bandas veteranas do nosso underground com mais classe. E claro, como é tradição, há sempre o momento, a recta final, que conta com a participação de Tó Pica (que, segundo José Costa, baixista/vocalista, fará sempre parte da banda mesmo quando não faz oficialmente) e que em parceria com Marcelo, o actual guitarrista da banda, faz uma grande dupla, mesmo estando algo ébrio, como era o caso. “Darkside”, “Gravestone Without Name” (que José Costa dedicou aos bombeiros, verdadeiros heróis anónimos) e “The Chapel Of The Lost Souls” são daqueles temas obrigatórios ver ao vivo pelo menos uma vez na vida.

Dentro do death metal continuámos com os Dead Meat, que mesmo sem serem muito activos discograficamente, conseguem sempre dar excelentes concertos. Aqui não foi excepção e mesmo com uma das guitarras com problemas, o saldo final foi bem acima da média. Que o diga o público mais perto do palco, que andou no bailarico de forma entusiasta. E contagiante também. “Good Clean Cut” e “Smell Over The Rotten Pussy” são temas já clássicos da banda e que nunca desiludem quando entregues com potência. E é fácil perceber o porquê de ser uma das bandas de culto do death metal lusitano, talvez algo subestimada.

Por falar em bandas subestimadas, do campo do black metal vieram os Humanart que impressionaram tanto com a sua sonoridade assim como com a sua prestação. A banda de Santo Tirso deu uma lição de black metal potente (ainda assim bastante definido) que teve um bom impacto no público que por esta altura já tinha perdido todas as inibições. Não era caso para menos. “Spheres Of Time” e “Seeds Of Destruction” são apenas dois exemplos de uma actuação segura sem falhas nenhumas. A hora já estava adiantada, mas os níveis de entusiasmo não baixavam. Aliás, subiram apenas mas aí desconfiamos que a taxa de álcool no sangue também estava relacionada.

O último nome internacional a subir ao palco do Oeste Underground foi Acranius. A banda alemã de death metal brutal poderá não ter uma carreira particularmente longa mas deixou uma excelente impressão para aqueles que não os conheciam. Mais uma vez teremos que referir que o som ajudou à tarefa, com uma potência impressionante. Podemos afirmar que não tem dos sons mais variados e dinâmicos, correspondendo perfeitamente aos requisitos do slam death metal, mas ainda assim conseguiram agarrar o público sem dificuldade – “Kingmaker, “Dishonor” e “Ghetto Brawl” (dedicada aos Analepsy) foram destaques de uma actuação bem forte.

Voltámos ao contingente lusitano, com um dos grandes nomes deste cartaz. Não é novidade nenhuma admiração que temos pelos Revolution Within, que já deu ao underground três excelentes álbuns de thrash metal bruto. Também não é novidade (ou pelo menos não deveria ser) que a banda em cima do palco traz outra vida aos temas registados em disco. Essa é a sua garantia e não foi aqui que falhou, razão que também explica a permanência de grande parte do público quando já entrávamos pela madrugada a dentro. Som poderoso e aquela energia que já se lhes conhece, fizeram de temas como “From Madness To Sanity” (cujo videoclip, conforme confidenciou o vocalista Raça, foi registado no quartel dos bombeiros de Santa Maria da Feira uma semana antes dos incêndios de Pedrogão-O-Grande), “Revenge” e “Pure Hate” (que teve direito à, provavelmente, mais pequena wall of death do mundo) soassem ainda mais potentes. Um dos momentos (mais) altos do festival.

A hora já era adiantada e os níveis de energia estava a fraquejar e a solução foi mesmo encerrar o festival com chave de ouro: Raw Decimating Brutality. Death/grindcore avantajado e com um fascínio bastante invulgar pela construção civil, a banda da Guarda deu um grande concerto, provavelmente o melhor que vimos deles. Bailaricos constantes, stage-divings imprudentes mas que correram sempre bem e claro, verdadeiros clássicos grindcore na forma de “O Muro Mal Pintado”, “Chapar a Massa à Talocha” e “Estrume à Bruta”. Ainda tivemos direito a malhas novas que sairão no próximo álbum da banda. E até a um encore improvisado (sim, daqueles que não estão programados, em que a banda acaba a actuação e o público pede por mais e o seu pedido é atendido). Uma autêntica festa que queremos ver repetida muitas mais vezes.

O veredicto final do Oeste Underground Fest II é muito positivo. A parte principal é mesmo o objectivo de ajudar os bombeiros voluntários da Malveira e mesmo sem ter conhecimento de números oficiais, temos em crer que esse o objectivo foi atingido. E depois, desde o ambiente festivo e descontraído até à música em si, não há razões que nos impeçam de afirmar que esta foi uma iniciativa bem sucedida. Não estamos a falar de perfeição – porque essa raramente existe – estamos a falar de algo que tem um impacto positivo na comunidade (neste caso local, nos bombeiros voluntários da Malveira) e na qual as bandas, as entidades comerciantes presentes, a organização, os próprios bombeiros e, claro, o público convergiram. Esperemos que venham mais e que este exemplo seja seguido por outros. É algo que faz falta, tanto ao underground da música de peso como à própria sociedade.

Reportagem por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
Agradecimentos a Oeste Underground Fest

 

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