WOM Report – Anti-Flag, Dream Nails, The Homeless Gospel Choir @ RCA Club, Lisboa – 08.01.20
Por vezes há noites especiais que nem as expectativas conseguem prever. Claro que estávamos todos entusiasmados pela visita dos Anti-Flag ao nosso país, afinal a última vez já tinha sido há algum (demasiado!) tempo. No entanto, não esperávamos que fosse tão marcante como foi. Não só pela parte óbvia dos norte-americanos, como pela companhia que trouxeram, The Homeless Gospel Choir e as Dream Nails e, palavra tem que ser referida, pelo público, que viveu intensamente a música como a mensagem que cada uma das bandas trouxe – não sendo por acaso iniciarem agora esta digressão.
O início deu-se com The Homeless Gospel Choir, que é o mesmo que dizer que começou com Derek Zanetti, uma autêntica one-man band de protesto (claro está) que deu um dos mais espontâneos e sinceros concertos que tivemos a oportunidade de presenciar. Surgiu em palco com a sua guitarra acústica e começou a tocar a “With God On Our Side”, uma poderosa crítica ao establishment e american way of life, até que insatisfeito de como estava a decorrer, tira o cabo da guitarra e salta para o meio do público, cantando e tocando sem qualquer tipo de amplificação. O resultado foi uma actuação intimista em que invariavelmente começava com um pequeno discurso onde Derek explicava o conteúdo, acabando sempre por dizer “esta é uma canção de protesto sobre”. “Seasonal Depression”, “Blind Faith” e “Normal”, foram temas que foram cantados da alma e recebidos por um público que os sentiu como se estivesse perante um amigo que tinha uma viola e uma série de temas para mostrar. Intimista e até mesmo mágico, esta fui uma excelente abertura.
As Dream Nails também nos eram desconhecidas mas causaram igualmente um bom impacto. A auto-intitulada queer band foi uma lufada de ar fresco com uma atitude energética que contagiou todos, principalmente a vocalista Janey, que esteve imparável durante toda a actuação, misturando num visual à cheerleader com movimentos de dança saídos da década de sessenta. “Vagina Police” e “DIY” mostram que a mensagem é definitivamente o ponto principal da banda, referindo inclusive um episódio recente em que um casal de raparigas foi agredido em Londres como introdução de “Kiss My Fist” ou ainda a violência doméstica em “Payback” ou “Fascism Is Commin’” sobre… bem, sobre tudo aquilo que se tem passado um pouco por todo mundo, basicamente. Diversão e consciencialização, duas coisas que devem andar de mãos dadas.
Se nas duas bandas anteriores, o RCA Club já estava bastante composto, quando os Anti-Flag subiram ao palco, já estava completamente cheia e com o público já em modo de antecipação gigante. “Christian Nationalist”, um dos avanços do novo álbum “20/20 Vision” que só será lançado no próximo dia 17 de Janeiro, foi recebido de forma entusiasta, provando que apesar de o álbum não ter sido ainda lançado, os singles editados já são muito bem conhecidos – e mais outros viriam a surgir mais à frente no alinhamento. A festa fez-se logo entre o público, provando que este era mesmo um momento aguardado entre os fãs portugueses.
Os temas começaram a ser bombardeados uns atrás de outros. Sendo punk rock, já seria de esperar que assim fosse e que tivessemos uma mão cheia de temas e assim foi, mas além da música, não faltaram também as palavras de contestação antes, depois e, obviamente durante os temas. Este era o primeiro concerto da banda em 2020 e também o primeiro em nove anos no nosso país e o sentimento que estava no ar era que estavamos todos realmente sobre um momento especial. Não era indiferente à banda a casa cheia em que estavam perante, assim como os agradecimentos surgiram desde logo. A comunicação era dividida entre Justin Sane (vocalista guitarrista) e Chris (o segundo, baixista), sendo que foi este inclusive que cantou no tema título “20/20 Vision”, álbum que estava representando também pela enorme bandeira atrás no palco, com a fotogragia desfocada de Trump, como lembrança daquilo que a banda se propunha a combater.
Muitos foram os momentos de conexão com o público sendo que “Turncoat”, “Broken Bones” foram entoados pelo público de forma entusiasta. Muitas foram as mensagens dadas também – Chris referiu antes da “Smartest Bomb”, “das ruas de Lisboa para as ruas do Irão, da importância de nos ligarmos uns aos outros, de nos ajudarmos uns aos outros, de ajudar o próximo”, referindo-se à recente escalada de tensões no Médio Oriente, num tema de 2008 mas que infelizmente faz todo o sentido mais de dez anos depois. Muitos mais alvos de crítica foram atingidos, proporcional aos muitos saltos acrobáticos que foram dados de cima daquele palco, com o público nunca a esmorecer – também não haviam motivos para isso.
O final foi apoteótico com a “Die For The Government” onde a meio da mesma, mudou-se a bateria para o meio do público – ou parte dela, um conjunto de pratos, bombo e tarola, com os fãs e um roadie a segurarem tudo e com Chris em cima do bombo, a cantar. Algo que todos sem dúvida não irão esquecer. Um concerto onde o tempo perdeu o peso, sem momentos mortos e onde todos os presentes gritaram as palavras que tanto sentiram de músicas que lhes fala aquilo que acreditam, sobre o que se passa à sua volta, sobre o que se passa no mundo. Os Anti-Flag seguem caminho para continuar a sua digressão europeia iniciada naquela noite em Lisboa mas prometerem voltarem bem mais cedo do que nove anos passados. Sabemos que muitas vezes não depende das bandas mas também sabemos que havendo intenção e preocupação, tudo se consegue neste mundo, até mesmo as injustiças que todas as bandas em palco no RCA Club cantaram. E assim se faz uma noite especial com punk rock, música com alma e conteúdo. Música real.
Texto por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
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