WOM Report – Moonspell, Rotting Christ, Silver Dust @ Capitólio, Lisboa – 05.11.19
Esta era uma noite que se antecipava como especial. E poderá achar-se estranho, os mais cépticos poderão pensar que tratava-se de mais um concerto dos Moonspell, mais um concerto dos Rotting Christ, com uma banda que é praticamente desconhecida, os Silver Dust. Os fãs no entanto sabem que sempre que os Moonspell tocam em Lisboa, há algo especial. Sabem também da ligação forte que existe entre a banda portuguesa e a grega e sabem também que por vezes as bandas de abertura podem tornar-se especiais – lembremo-nos da primeira aparição dos Lacuna Coil em palcos nacionais, na altura um pouco injustiçados pelo público presente no Coliseu, embora os suiços não estejam propriamente no início da sua carreira.
Comecemos precisamente pelos Silver Dust. A banda suiça tem uma forte presença em palco, bastante teatral, conjugando as faixas pré-gravadas com o enorme ecrã de vídeo presente no palco, funcionando muitas vezes como um quinto membro. O mais recente trabalho, “House 21”, lançado no ano passado, é um trabalho conceptual e esse conceito foi transportado para o palco do Capitólio com sucesso. A música assenta numa mistura entre rock/metal gótico com sonoridades um pouco industriais e por vezes até a roçar o nu metal – Lord Campbell (ora vocalista/guitarrista, ora apenas vocalista) por vezes parecia um Serj Tankian (vocalista dos System Of A Down) da era vitoriana. As versões encaixadas da “Toccata e Fuga” de Bach popularizada como tema da Fantasma da Ópera e do tema do “The Omen” eram talvez dispensáveis mas no geral foi um concerto sólido e o público recebeu-os bem, abrindo a porta para futuras visitas.
Quem é sempre recebido bem e já dispensa apresentações são os Rotting Christ. A banda grega tem vindo a aumentar e a solidificar a sua base de seguidores no nosso país, muito graças também ao elevado nível (e em crescendo) dos seus trabalhos de estúdio. Curiosamente, no entanto, não foi o mais recente trabalho “Heretics” o local mais visitado e sim “Kata Ton Daimona Eaytoy” de 2013, um álbum que os fãs gostam particularmente, começando logo com “Χ ξ ς” (também conhecida como “666”) e arrancando para uma actuação que iria levar a banda e o público para uma sinergia memorável. Ajudou em muito a excelente acústica e/ou excelente som que se fazia ouvir. Volume sem estar exageradamente alto, perfeito para se perceber de forma cristalina todas as (várias) nuances da música dos gregos.
Não demorou muito para o público ficar rendido – aliás, desconfiamos que já o estava quando a banda de Sakis entrou em palco. O carismático vocalista Sakis Tolis continua a ser um mestre em puxar pelo público e o mesmo aderiu de diversas formas, seja com circle pits, incentivado pelo próprio vocalista, seja a saltar seja a bater palmas. As óbvias incursões a “The Heretics” apesar de poucas foram muito bem recebidas, principalmente a “Dies Irae”, destuidora. Apesar de termos a sensação de que soube a pouco – algo para o qual já íamos preparados – ainda houve tempo para revisitar o passado como a versão dos Thou Art Lord, “Societas Satanas” e “The Forest Of N’Gai”, dois temas mais antigos que a banda tem voltado a pegar nos últimos anos. “Grandis Spiritus Diavolos” e “Non Serviam” colocaram o ponto final de um concerto bastante aplaudido e sentido tanto pela banda como pelos fãs.
Era tempo de entrar os senhores da noite. Assim que as luzes se apagaram e se começaram a ouvir a intro da “Em Nome do Medo”, tema principal que levaria à criação de todo o trabalho em destaque, “1755”, o público ficou logo ao rubro. Algo que aumentou substancialmente quando Fernando Ribeiro entra em palco com a lanterna, com um efeito teatral que é (uma das) imagem de marca da presente fase da banda. Arrepiante como sempre, ouvir Fernando e público em sinergia a cantar. Foi notório o aumento do volume do som mas ainda assim continuava tudo bem audível e perceptível.
O foco no já mencionado último trabalho era inevitável mas isso não foi problemático para ninguém. É testemunho para a actual fase em que a banda se encontra, onde após quase trinta anos de carreira, lançam um álbum em que o público canta os seus temas do início ao fim, temas como “In Tremor Dei” ou “Evento”. O cardápio que têm por onde escolher é bem vasto e é sempre impossível não ficar com a sensação que poderiam ter tocado esta ou aquela – e se isto acontece estando na posição de cabeças-de-cartaz, imaginemos se estivessem numa posição como a dos Rotting Christ – no entanto há temas consensuais assim como álbuns emblemáticos. Obviamente que a sequência “Opium” e “Awake” foi muito bem recebida assim como a “Mephisto” – um tema que arrepia sempre quando cantado pelo público – e as inevitáveis incursões pelo mítico álbum de estreia “Wolfheart”.
Tal como disse no início, esta era uma noite especial para a banda. Encerrar um ciclo (ou pelo menos ganhar embalagem para continuar a encerrar a digressão final do “1755”) na sua cidade, na sua casa, com a sua “família”, o público que os acompanha. E sentiu-se que a banda deu mais, mais até do que tinha previsto dar. Sobretudo no encore, quando após uma estrondosa “Todos Os Santos” tocam uma “Ataegina” que não estava nos planos (tinham tocado no dia anterior no Porto), tema que é sempre garantia de festa entre o público. Antes disso já tinham brindado com a “Alma Mater”, eterno hino agregador da nossa nacionalidade no metal, especificamente aos Moonspell, terminando com o seu hino aos fãs, “Full Moon Madness”, que é sempre um ponto alto, não interessa quantos anos passem.
Público e banda de coração cheio. O público dispersa para casa, para as suas vidas e quotidianos, com mais uma memória de uma grande noite, onde, mais uma vez, fizeram parte de algo maior que todas as partes envolvidas. Algo que tem que se viver no momento. A banda, essa, certamente que vai ter mais “combustível” para continuar caminho e finalizar a digressão que fará com que “1755” fique encerrado e se dê início ao processo de nova criação, para qual todos esperamos ansiosamente. Até lá, fica a memória de mais uma partilha especial de uma banda e o seu público.
Texto Fernando Ferreira
Fotos Sónia Ferreira
Agradecimentos Prime Artists