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WOM Report – Shivers, My Master The Sun, Centopeia @ RCA Club, Lisboa – 07.02.20

É inegável o papel que o RCA tem tido nos últimos anos como ponto de convergência e passagem para o que se passa no underground nacional. Pelo que já não é surpresa vermos cartazes como o da passada noite de dia sete de Fevereiro, onde o frio e a chuva de voltou a sentir após uma calmia no Inverno. Três bandas nacionais bastante diferentes entre si mas que se uniram para uma celebração – neste aspecto, a música é como o Natal, é quando o homem quer. Shivers com o seu rock caramelo, os My Master The Sun com o seu sludge/doom metal monolítico e os Centopeia, com muitas influências de punk/hardcore assim como também de sludge rock, bem musculado. Cardápio mais que suficiente para garantir a qualidade que foi espalhada por um público incansável.

Temos que começar a assinalar o facto do espectáculo ter começado mais tarde do que o previsto (inicialmente tinham confirmado a abertura para as 21:30h e o início para as 22:00h) mas até houve algo positivo nesse atraso. Foi que assim que os Centopeia subiram ao palco, já a casa estava bem composta para os receber – a contrariar assim a cultura de deixar a primeira banda a tocar para meia dúzia de gatos pingados. E ainda bem que essa justiça foi feita, já que os Centopeia se revelaram ainda mais acutilantes do que a primeira vez que os vimos ao vivo – poderão conferir o relato aqui. Pequeno aparte, esta foi a segunda vez que vimos todas as bandas.

Pois bem, Centopeia, banda feita de nomes conhecidos da nossa praça e à qual lhe poderíamos chamar sem problemas super-banda mas tal designação vai contra a simplicidade daquilo que se propõe. Tocar som pesado, com emoções viscerais à flor da pele. Às já familiares “Bad Day”, “October 7Th” (que nunca é demais recordar, dedicada ao imortal Sérgio “Bifes” Curto) e “Black Heart”, tivemos a oportunidade de ouvir alguns temas novos como “Temptation”. Cada vez mais sólidos e cada vez mais coesos, sem dúvida que os Centopeia são uma nova estrela brilhante do nosso underground, juntando as melhores características do mesmo. Destaque para a entrega e energia, principalmente do vocalista Tiago Rato, exemplo de como a banda dá tudo em palco.

Virada estilística para receber os My Master The Sun que lançaram em 2019 um dos álbuns do ano (foi um dos nossos escolhidos para o Top 20 de álbuns Post Metal, podem conferir aqui) e que nos foram apresentados oficialmente na edição de 2019 do Bardoada. Esse álbum, “1000 Ogivas de Fel Cairão Sobre Ti” foi praticamente tocando na íntegra, provando a confiança que a banda tem nele. Neste momento contam com um novo guitarrista, Sérgio Barata, o que faz com que o agora exclusivamente vocalista Ricardo Falé se evidencie muito mais solto e activo. Porque não dizer endiabrado.

A música dos My Master The Sun sofre de uma dicotomia irónica. Por um lado é música visceralmente intimista, que lida com holocaustos pessoais e abismos interiores (pelo menos é a sentimos), mas por outro é em palco que ela uma vida especial, mesmo sendo um género que não seja mais efectivo ao vivo. “Fraco” abriu um mote com uma entrada furiosa, mas foi o tema-título que evidenciou a cadência e até a dança sedutora com o psicadelismo. Ricado Falé sentia/sentiu/sente a música como ninguém e agora, solto, isso é multiplicado por mil em temas como “Quartelmotel” e “Apneia”. Do já mencionado segundo álbum só ficou de fora um tema mas no seu lugar e a fechar o alinhamento, veio “Assassimio”, sempre aquele épico incontornável, onde o groove hipnótico, o peso e o psicadelismo se unem de forma única.

Para terminar em beleza, Shivers. Quem nunca os viu, não sabia bem o que esperar, mas depois daquilo que foi a sua actuação no Bardoada (ou qualquer outra, pelo que já nos apercebemos) era sabido que a dupla composta por Igor Azougado e João Arroja, ia partir a louça toda. Efectivamente foi o que se teve, embora tenha-se partido mais guitarra do que louça. Logo a começar a entrada em palco com o belo do barco de borracha e o primeiro tema, “A Sela”, que abriu as hostilidades com direito a explosão de confettis do balcão para o público. Ficaram criadas as condições para termos o primeiro mosh da noite, com o público completamente imerso na onda do concerto.

A intensidade foi desde o início muita, com Igor e João a trocarem sempre piadas – embora muitas delas fossem poderosamente reais, como as alfinetadas à SPA, que são o retrato da utilidade  desta intituição para aqueles que supostamente protegem – e incansáveis… até certo ponto. Apesar de alguns dos temas que a banda tinha previsto tocar tenham ficado para trás, não houve quem se queixasse. E numa actuação dos Shiver não podiam faltar a “Revolta dos Kebabs” e a “Maluca do Terceiro”, dois dos melhores momentos do mais recente trabalho, “Azeite Com Distorção”. Ou até recuando mais um pouco com a mítica “Jantar À Da Minha Avó”, que contou com a ajuda (improvisada, saliente-se) de David Pais na voz. Também é importante avisar que por esta altura Igor já tinha avisado que normalmente só aguentava vinte minutos, por isso já deveria estar a acabar.

Ainda houve muita coisa a acontecer – barco a voar do palco para o público e vice-versa (um deles acertando em cheio no Igor); guitarra partida à moda de Pete Townsend ou então dada ao público para que eles continuassem a tocar. Ou ainda dar a um fã para ele vir para o palco tocar. A noite acabou já tarde mas poderia ser ainda mais prolongada porque a energia de todos parecia não se esgotar. E apesar das queixas, qualquer um dos dois da dupla maravilha, parece que têm uma reserva energética capaz de alimentar um quarteirão de electricidade. Essa energia não fez no entanto que deixassem se agradecer a todos os que estavam presentes, mais do que uma vez (e a exemplo dos Centopeia e dos My Master The Sun).

A irreverência e a loucura dos Shivers são contagiantes e é impossível ficar indiferente, mas no meio de toda a loucura o que temos que salientar é que esta estreia da banda do Pinhal Novo no RCA Club custava, tal como foi muitas vezes referido naquela noite, apenas cinco euros, e embora tenha estado uma lotação agradável, poderia bem esgotar dada a qualidade de tudo o que se viu e ouviu. Cinco euros e três bandas de qualidade gigante. Ai Portugal, Portugal… queixas-te tanto e por vezes não te aproveitas das benesses que te são oferecidas… só com um pano encharcado nas trombas.

Texto por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
Agradecimentos Shivers


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