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WOM Top 10/2020 – Metal/Rock/Goth/Alternativa

WOM Top 10/2020 – Metal/Rock/Goth/Alternativa

Por Daniel Laureano

2020 foi o ano em que toda a nossa vida mudou para sempre. Vimo-nos constrangidos como nunca pela pandemia de Covid-19, que nos fez passar longos períodos dentro de portas, afastados da normalidade e ameaçados por um vírus do qual ainda sabemos pouco hoje em dia. Vimo-nos forçados a sacrificar eventos culturais como concertos e outros eventos especiais, convívios com amigos, feriados e aniversários que costumavam ser passados em família e, infelizmente para alguns de nós, até funerais de pessoas amadas que lamentavelmente sucumbiram á doença.

Mas a música continuou, como não poderia ser de outro modo. E é nesse sentido que vos apresento este artigo, onde passarei em revista aquilo que de melhor se fez neste ano que nos preparamos para deixar para trás. Como antecâmara para aquilo que se segue, e como penso que precisamos todos de mais algum positivismo nas nossas vidas, deixo 5 menções honrosas – na vez das minhas habituais 3 –, na esperança de vos ocupar mais algumas horas, nas quais, se estiverem a ouvir música, não estarão a pensar na realidade que nos rodeia:

Rope Sect – «The Great Flood»

Emma Ruth Rundle & Thou – «May Our Chambers Be Full»

Rïcïnn – «Nereïd»

Ihsahn – «Telemark» / «Pharos»

Anaal Nathrakh – «Endarkenment»

Posto isto, e fazendo a habitual ressalva de que esta lista corresponde apenas às minhas próprias preferências, não me tendo baseado em qualquer tipo de grelha de critérios, como vendas de discos ou quantidade de vezes que foram passadas na rádio, aí segue o meu top 10 de 2020 com a respectiva playlist do Spotify. Venham daí:

10 – Dark Tranquillity – “Moment”

Century Media

Algo que sempre me impressionou acerca dos Dark Tranquillity é a capacidade que sempre tiveram de tocar death metal melódico com uma elegância e subtileza que está ao alcance de muito poucas bandas que exploram este tipo de som – na vez dos pedais duplos monótonos e das melodias festivas que funcionam como marcas registadas de um sem número de populares grupos de melodeath, os suecos sempre deram primaiza a ritmos variados, melodias e texturas envolventes e temas líricos que têm mais a ver com a psicologia humana do que propriamente repetições ocas de histórias de vikings.

Uma característica presente na história dos Dark Tranquillity é a de uma evolução lenta mas segura: do som atmosférico e negro de «Skydancer», passando pelas refinadas melodias góticas de «The Gallery», que acabaram por evoluir para o metal moderno e urbano de álbuns como «Character» ou o excelente «Fiction», o colectivo nunca foi de apresentar contrastes bruscos, preferindo antes ir amontoando pequenos ajustes que, a longo prazo, foram tornando a sua discografia bem mais variada do que até pode parecer à primeira vista.

Este «Moment» vem na sequência de dois álbuns que representaram um dos ajustes mais significativos dos últimos anos: «Construct» e «Atoma» – duas peças excelentes onde os suecos aliaram o som urbano que exploraram nos anos 2000 às tendências melódicas dos seus trabalhos dos anos 90 – e, se há crítica que se lhe pode fazer é a de, de facto, ser bastante semelhante aos seus antecessores. Em termos de consistência e qualidade de composição, no entanto, é um dos discos mais fortes da história dos DT, com temas como “Standstill” ou “Ego Deception” a merecer um lugar de destaque no seu panteão. Convém que no próximo voltem a ajustar o seu som, porque já está quase a começar a cansar, mas para já ainda não chegámos a esse ponto.

Melhor faixa: “Standstill”

9 – Deep Purple – “Whoosh!”

earMusic

Os Deep Purple são uma banda que dispensa apresentações. Lendas da música, os britânicos foram um dos principais precussores do heavy metal, tendo igualmente explorado sons que vão desde o soft rock ao rock progressivo ou até mesmo ao funk. Até à data, já lançaram 21 álbuns de estúdio e um número ridículo de lives, capaz de levar qualquer cartógrafo de discografias à loucura.

O legado deste icónico coletivo é, também ele, inegável, ou não fossem os Deep Purple a banda que ofereceu ao mundo discos como «In Rock», «Machine Head», «Burn» ou «Perfect Strangers», entre tantos outros. A sua longevidade criativa é algo que merece ser destacado, porque não é tão comum quanto isso ver bandas com este tipo de estatuto a continuar a lançar música de modo relativamente regular, sendo ainda mais impressionante verificar que por esta altura do campeonato, ao cabo de uma carreira que já leva mais de 52 anos, os britânicos cometeram a proeza de lançar um dos melhores discos do seu passado recente.

Não tenho quaisquer hesitações em dizer que “Whoosh!” é o melhor disco de Ian Gillan, Steve Morse e companhia desde «Purpendicular», após os dois esforços mornos que foram «Now What?!» e «inFinite». O disco conta com uma variedade sonora muito interessante, que navega entre o hard rock musculado de temas como “Throw My Bones” ou “The Long Way Round” às vibrações místicas de “The Power of the Moon”, bem como à elegância nostálgica de “Nothing At All”. Nota final para as letras, que contêm algumas das melhores estrofes escritas por Ian Gillan, particularmente aquelas que refletem a sua filosofia pessoal acerca da vida e da carreira da banda, sempre da perspetiva da felicidade que podemos encontrar nas pequenas coisas. Vale a pena refletir acerca de ‘All I’ve got is what I need, and that’s enough, as far as I can see’.

Melhor faixa: “Throw My Bones”

8 – Liturgy – “Origin of the Alimonies”

Edição de Autor

O meu primeiro contacto com a música de Liturgy deu-se no ano de 2015, aquando do lançamento do álbum «The Ark Work». Lembro-me de escrever, numa review para uma outra revista, que podíamos estar a presenciar os primeiros passos do próximo grande fenómeno musical da nossa geração, tamanha era a quantidade de novos conceitos e modos de execução revolucionários, e que o disco seguinte iria seguramente confirmar ou desmentir esta possibilidade.

Em 2020 – cinco anos após «The Ark Work» e um ano após H.A.Q.Q., disco onde o som de Liturgy regressou brevemente ao black metal experimental dos seus primeiros discos -, saiu este «Origin of the Alimonies», que na minha opinião concretiza o próximo passo de evolução e inovação ao qual aludi no parágrafo anterior. O lançamento deste disco foi ainda precedido pelo anúncio da nova identidade de Hunter-Hunt Hendrix, mentora do projecto, que tinha entrado no processo de mudança de sexo, assumindo-se como uma mulher trans – isto é algo que me sinto na obrigação de louvar, pela extrema coragem que uma mudança destas requer, bem como pelo impacto positivo que este tipo de notícia pode ter, num mundo que se quer cada vez mais aberto à mudança, menos preconceituoso e mais acente no amor e no respeito pelos outros.

Por razões de síntese, não me vou debruçar extensivamente sobre os conceitos filosóficos densos que Hunter sempre coloca nos seus trabalhos, escolhendo focar-me antes no tipo de som que a compositora norte-americana verteu neste álbum, que no fundo é mais uma peça única, dividida por movimentos e que apresenta uma mistura absolutamente arrebatadora de música avant-garde, clássica, glitch e black metal lo-fi. Daqui resulta uma viagem mística e desconcertante por universos transcendentais, onde os build-ups e releases de tensão que são criados ao longo da sua duração chegam a ser quase orgásmicos.

Melhor faixa: “Apparition of the Eternal Church”

7 – Brendan Perry – “Songs of Disenchantment: Music from the Greek Underground”

Edição de Autor

Ao longo dos anos não tenho dado descanso à minha missão a la testemunha de Jeová, espalhando a palavra divina dos Dead Can Dance e do Brendan Perry, ou não fosse ele o músico que mais me influenciou até à data – pelo estilo de composição, performance vocal, versatilidade enquanto instrumentista, entre tantas outras coisas. Simultaneamente, a Grécia é um país pelo qual me apaixonei já há largos anos, pela sua história, cultura e música, sendo um dos sítios que mais gosto de visitar. Escusado será dizer, portatno, que quando soube que o icónico músico britânico se preparava para lançar um disco totalmente inspirado na música tradicional grega, a minha curiosidade atingiu níveis nucleares.

Este interesse que Brendan demonstra pela cultura helénica não é nada de novo, evidentemente, sendo que os exemplos mais antigos remontam a 1988, altura em que explorou conceitos e sons mediterrânicos em certas faixas de «The Serpent’s Egg», tendo também, a partir daí, continuado a ir buscar inspiração à terra dos deuses para variadíssimos trabalhos. O exemplo mais evidente acaba por ser o excelente «Dionysius», álbum de Dead Can Dance lançado em 2018 e que explora este universo em exclusivo.

Este «Songs of Disenchantment» pode, de resto, ser visto como uma continuação de «Dionysius», ainda que de um modo bem mais directo: o disco consiste numa coleção de temas de rebetiko (um estilo popular grego que, de resto, faz parte da lista do património cultural imaterial da humanidade da UNESCO) traduzidos para inglês, de modo a trazer os temas para um campo no qual Brendan se sente, naturalmente, mais à vontade. Esta mudança, ainda que possa tirar alguma autenticidade às canções como documentos culturais, oferece-lhes uma dimensão mais internacional, ganhando uma vida diferente, algo que acaba por ser a grande inovação trazida à mesa ao longo destes 10 temas, que contam com uma produção absolutamente cristalina e que continuam a deixar bem evidente a proficiência de Perry nos mais variados instrumentos de cordas.

Melhor Faixa: “O Memetis”

6 – Paradise Lost – “Obsidian”

Nuclear Blast 

Lendários pioneiros do death-doom dos inícios dos anos 90, os Paradise Lost tiveram uma carreira recheada de mudanças controversas: se é certo que a transição dos sons mais negros e demoníacos dos seus primeiros discos para o metal gótico emocional de discos como «Icon» e «Draconian Times» foi bastante bem recebido pelo público em geral, o mesmo não se poderá dizer das aventuras pelo synthwave de «Host» ou da incursão pelo rock alternativo efetuada em «Believe in Nothing»; todos eles discos de enormíssima qualidade, mas que não passaram pela generalidade dos exigentes juízes conservadores do metal.

Durante a primeira década do novo milénio, porém, o colectivo de Yorkshire foi progressivamente reintroduzindo mais peso nas suas composições, algo que foi acentuado no ano de 2015, quando regressaram às suas raízes com o excelente «The Plague Within», o primeiro disco em mais de 20 anos a contar com vozes guturais. Depois seguiu-se «Medusa» – um disco ainda mais pesado -, antes do nascimento deste novo trabalho, no qual podemos verificar que a banda aliviou um pouquinho o negrume, com a reintrodução de alguns elementos mais góticos, que tinham ficado para segundo plano durante os últimos anos.

Imponente e gracioso, «Obsidian» representa um passo interessantíssimo para os Paradise Lost, no qual os comandados de Nick Holmes e Gregor Mackintosh recuperaram a elegância dos primeiros discos que vieram depois da sua fase inicial, enquanto mantiveram os elementos característicos da sua faceta mais violenta, fazendo estes dois mundos existir em perfeita harmonia, algo que é particularmente visível em faixas como “Darker Thoughts” – um tema de tom introspetivo, cujos urros profundos dialogam com alguns dos mais belos arranjos de teclado alguma vez gravados num tema de metal – ou “Ghosts”, um autêntico hino gótico, de ritmo infecioso e atmosfera pós-apocalíptica, pautada com leads de guitarra cristalinos e uma linha de baixo que caberia na perfeição num qualquer tema de uns Sisters of Mercy ou Fields of the Nephilim.

Melhor faixa: “Darker Thoughts”

5 – Ulver – “Flowers of Evil”

House Of Mythology

Dos Ulver já se espera tudo, é uma história sabida. De facto, esperar mudanças drásticas desta matilha de criativos selvagens é como esperar que o sol se erga ao início do dia ou esperar que o governo seja inábil a comunicar medidas de confinamento durante a pandemia de Covid-19: são coisas que simplesmente acontecem. Talvez por isso, a grande notícia aqui seja exactamente a oposta: de modo quase paradoxal, os Ulver surpreenderam-nos ao não mudarem drasticamente.

Após «The Assassination of Julius Caesar», álbum de 2017 no qual os Ulver mergulharam pela primeira vez no mundo do synthwave, saiu «Drone Activity», um disco gravado ao vivo que documenta um espectáculo especial em que os comandados de Kristoffer Rygg improvisaram largas peças instrumentais de música drone, que parecia indicar que a direcção a tomar no futuro poderia ser uma de maior abstração sonora, um regresso à free form dos EPs «Silence Teaches you how to Sing» e «Silencing the Singing», bem como da colaboração com os Sunn O))) de 2014, da qual resultou o disco «Terrestrials».

Como aludi no primeiro parágrafo, contudo, o passo seguinte foi um de regresso à paragem anterior, mas sem nunca parecer monótono. «Flowers of Evil» traz-nos uma nova exploração eletrónica, repleta de batidas pulsantes, linhas vocais orelhudas e camadas de sintetizadores que nos transportam para um espaço cibernético, que tem tanto de nostálgico como de futurista. As estruturas diretas continuam a ser um dos pontos fortes desta faceta dos Ulver, com faixas como “Machine Guns and Peacock Feathers” e “Little Boy” a provarem que é possível fazer com que um genero musical extremamente acessível não perca absolutamente nada no que diz respeito à subtileza e à densidade conceptual.

Melhor faixa: “Machine Guns and Peacock Feathers”

4 – Lunatic Soul – “Through Shaded Woods”

Kscope

Lunatic Soul é uma one-man band nascida da mente do talentoso Mariusz Duda, músico que se notabilizou como baixista e vocalista dos Riverside, conhecida banda polaca de prog rock, que esteve recentemente nas bocas do mundo pelo lançamento de «Wasteland», em 2018, onde toda a dor que adveio da morte do guitarrista Piotr Grudziński foi canalizada na criação daquele que é um autêntico clássico moderno.

Confesso que até bem recentemente não tinha seguido este projecto com a atenção que merecia, algo que já devia ter feito há muito tempo: ao longo da discografia desta entidade que funciona como uma espécie de caixa de areia para Mariusz, o músico mistura elementos de rock progressivo com um pouco de tudo, desde música eletrónica a darkwave (muitas vezes com claros piscares de olho a bandas como os Dead Can Dance), passando por explorações de música étnica, sempre com um excelente sentido de balanço entre complexidade rítmica e simplicidade melódica.

«Through Shaded Woods» é o nome da mais recente proposta de Lunatic Soul, uma viagem exploratória pelos meandros da música tradicional eslava, na qual Mariusz Duda veste o manto de mago e acompanha o ouvinte através de uma vastíssima floresta mística, repleta de surpresas e texturas exóticas, todas capazes de nos criar a ilusão de estarmos fisicamente naquele bosque, a experienciar todas as sensações em primeira mão. Através de envolventes sequências de riffs acústicos, pautados por raros momentos de distorção, viajamos por ritmos irregulares que soam sempre tão leves e naturais quanto as sensações que evocam, ao longo de longas composições que fluem como um rio sinuoso, e que fazem cerca de 40 minutos de música serem tão prazerosos que acabam por parecer 4 ou 5.

Melhor faixa: “The Passage”

3 – Deftones – “Ohms”

Reprise

Pioneiros do movimento nu-metal dos meados dos anos 90, juntamente com bandas como Korn ou Limp Bizkit, os Deftones também foram um dos primeiros grupos a evoluir o seu som para além dos elementos que contribuíram para a subida de popularidade desde género, sobretudo na viragem do milénio. Com efeito, nesta altura em que discos como «Hybrid Theory», dos Linkin Park, ou «Infest», dos Papa Roach dominavam as ondas radiofónicas, a banda californiana já andava a explorar caminhos mais abstractos e experimentais, com o soberbo «White Pony», um dos seus grandes marcos.

Seguiram-se vários discos, cada um com um conjunto de experimentações diferente do anterior – das texturas fantasiosas de «Saturday Night Wrist» ao rock introspetivo de «Gore», passando pelo peso sintético de «Diamond Eyes» ou a melancolia depressiva de «Koi No Yokan», os Deftones sempre habituaram os seus fãs a esperar avanços. Avanços esses que contaram sempre com uma consistência qualitativa absolutamente invejável para uma banda com tantos problemas internos, quer a nível de relações interpessoais como de casos mais extremos, como o da morte do baixista Chi Cheng, ao cabo de um coma de 5 anos, induzido após um violento acidente rodoviário.

A sua mais recente faceta, demonstrada neste «Ohms», representa um regresso parcial à convivência simbiótica entre peso e groove que predominou em discos como o já mencionado «White Pony», estando também presente um foco muito claro nas sonoridades aquosas e oníricas que têm estado presentes nas propostas mais recentes dos comandados de Chino Moreno. Com efeito, este disco, mais do que qualquer outro dos anteriores, soa a algo que poderia ser descrito como ‘dream pop metálico’, rótulo suportado por elementos como as melodias delirantes de “Ceremony”, as paredes de distorção monolítica de “The Spell of Mathematics” e o êxtase grandioso da faixa-título, entre outros – 10 faixas que são, todas elas, diferentes paragens numa viagem que foi construída de maneira tremendamente inteligente, coerente e emocional, e cuja envolvência faz deste disco num dos melhores da história dos Deftones.

Melhor faixa: Urantia

2 – Priest – “Cyberhead”

Blue Nine Records

Todos já lá estivemos: um dia estamos na net à procura de novas bandas ou artistas para ouvir e descobrimos algo que nos impacta de tal forma que rapidamente damos por nós a perguntar como é que é possível não o termos descoberto mais cedo.

Os misteriosos suecos Priest são uma das minhas experiências mais recentes com este fenómeno. Trata-se de uma banda muito recente, fundada algures entre 2015 e 2016 por Airghoul, – antigo teclista dos Ghost -, e cujo álbum de estreia «New Flesh» rapidamente se tornou no meu disco de synthpop/wave favorito, bem como um dos meus discos prediletos de todos os tempos e géneros. Isto deveu-se à atitude e à composição das fortíssimas canções, que logram ser tão acessíveis e dançáveis quanto sinistras, com a banda a demonstrar um estilo muito próprio e tremendamente diferente da vasta maioria de artistas que praticam géneros semelhantes.

Após o EP «Obey», de 2019, os Priest lançaram este sublime «Cyberhead», onde continuam a sua proclamada missão messiânica de mecanização de toda a humanidade, desta feita através de um conjunto de temas quase tão forte como os do disco de estreia, mas onde o colectivo de Airghoul reforça a sonoridade futurista e cibernética das variadas camadas de sintetizadores que dialogam com as vozes, também elas altamente robotizadas.

Se desta obsessão por tudo o que é robótico e mecânico se poderia esperar um disco estéril e desprovido de humanidade, acontece o preciso oposto, um autêntico paradoxo que no fundo acaba por ser uma das grandes forças da música dos Priest: os rios de emoção que os executantes injetam em cada segundo de música é verdadeiramente contagiante e faz-me ter uma grande curiosidade para ver como é que estas músicas resultariam numa qualquer discoteca apenas habituada a passar música popular. Temas como “Decay”, “Thieves” ou a majestosa “Xpander” não deixariam ninguém indiferente, tendo todos eles a vantagem de tanto poderem ser ouvidos por diversão como para análises mais profundas e completas. «Cyberhead» é, sem qualquer dúvida, um álbum todo-o-terreno.

Melhor faixa: “Decay”

1 – Katatonia – “City Burials”

Peaceville

O lugar mais alto desta lista está reservado para o álbum de regresso dos Katatonia, lendários mestres da melancolia, que regressaram às edições após quatro anos de um hiato que apareceu de um modo tão repentino que fez os fãs do grupo temer um destino ainda mais negro.

Autores daqueles que são autênticos clássicos do Gothic-doom dos anos 90, como «Brave Murder Day» e «Tonight’s Decision», mas também de alguns dos mais belos discos de rock depressivo dos anos 2000, como os brilhantes «Last Fair Deal Gone Down» ou «The Great Cold Distance», os Katatonia passaram os anos 2010 a braços com uma pequena crise de identidade, na forma de uma incursão pelos campos do rock progressivo, que me deixou com sensações mistas.

Sendo certo que os momentos altos de «Dead End Kings» e «The Fall of Hearts» são capazes de rivalizar com qualquer uma das faixas mais lendárias dos anos anteriores, a verdade é que estes são fugazes, algo evidenciado pela enorme quantidade de temas pouco memoráveis que estes discos contêm, e que me fazem sentir que esta nova avenida que foi explorada pelos suecos não seria propriamente o campo onde seriam mais fortes.

Eis que surge «City Burials», um álbum onde uma grande parte dos elementos progressivos dos últimos discos foi posta de lado, abrindo caminho para um regresso àquela familiar faceta de rock depressivo, mas mais madura e refinada, uma autêntica lufada de ar fresco. Aqui encontramos canções carregadas de melodias melancólicas e histórias dramáticas, pautadas por alguns momentos de peso metálico, sempre utilizados com muito critério e com uma elegância notável. Músicas como “Heart Set to Divide”, “Behind the Blood” e “Rein” mostram este lado mais pesado do colectivo sueco, ao passo que temas belos e introspetivos como “Lacquer” ou “Vanishers” evidenciam o lado mais suave das composições dos Katatonia, uma dualidade que sempre os acompanhou, passando pelo verdadeiro hino gótico, que é a fenomenal “The Winter of Our Passing”.

É certo que discos de ‘regresso’ nem sempre são bem-sucedidos, quer pelas expetativas que os fãs inevitavelmente acabam por criar, quer pela própria capacidade que as bandas podem ter ou não ter naquilo que toca a recuperar certas características sonoras de tempos passados, mas quando são bem feitos enchem-nos de uma nostalgia difícil de traduzir por palavras. E é precisamente isso que «City Burials» é: uma colecção triunfante de temas que celebram o passado dos Katatonia, com olhos postos no futuro.

Melhor faixa: “The Winter of Our Passing”

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