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Filhos do Metal – António Sérgio – A Voz das Chamas

Por Duarte Dionísio
(Filhos do Metal – À descoberta do Heavy Metal em Portugal)
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Esta poderá ser a primeira de diversas crónicas dedicadas a personalidades ligadas ao Heavy Metal. E a pole position tinha de pertencer a alguém que para mim, assim como para muitos outros, foi fundamental na descoberta dos sons mais pesados e alternativos. António Sérgio Correia Ferrão para alguns apenas Sérgio. Sem preocupações com datas comemorativas. Sem aprofundamentos biográficos. Apenas porque este homem foi e continua a ser na minha memória, o Senhor da Rádio que mais me marcou e influenciou. Por isso mesmo, o que vou escrever é uma singela perspetiva pessoal sobre o António Sérgio.

Nasceu a 14 de Janeiro de 1950 em Benguela, Angola. Cedo conheceu os meandros da Rádio, porque os pais eram locutores de profissão na Rádio Clube do Bié. Realizou e apresentou diversos programas de autor nas Rádios por onde passou. Escreveu em jornais. Foi produtor e editor. Colaborou com editoras. Foi, acima de tudo, um homem culto, informado, com uma perspicácia felina para descobrir talentos. Apresentou aos ouvintes artistas até então desconhecidos. Divulgou e apostou no talento de inúmeros nomes nacionais e internacionais. Um homem de bom gosto, conhecedor, detentor de uma voz única e marcante, marido, pai. Um Senhor. Rotação, Rolls Rock, Som da Frente, Grande Delta, A Hora do Lobo ou Viriato 25 foram apenas alguns dos nomes de programas que apresentou. Mas para os que apreciavam os sons do Hard Rock e do Heavy Metal, assim como para muitos que viriam a dedicar-se ao género, foi o programa da Rádio Comercial Lança-Chamas que se tornou crucial para ouvir as bandas e conhecer mais sobre os sons pesados. Com a voz grave e profunda, António Sérgio abanou as ondas hertzianas com sons poderosos. O Lança-Chamas teve início em 23 de outubro de 1983, lançando para o ar a música de Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple, AC/DC, Dio, Aerosmith, Judas Priest, Ted Nugent. O programa começou com a duração de uma hora, numa Rádio com cobertura nacional. O impacto foi imediato. E em 1985 passou a ter duas horas de emissão, aos sábados das 16h às 18h. Não me recordo com exatidão quando comecei a ouvir, mas assim que o descobri, ouvi religiosamente todas as semanas, independentemente das circunstâncias. Tudo era hipnotizante! A voz do António Sérgio, as deixas simples e cirúrgicas para introduzir os temas e a música, aquele som que se apoderou dos meus sentidos, marcou a minha vida para sempre. Foi a descoberta de um admirável mundo novo.

Nessa altura, talvez em 1985, eu estava longe de imaginar tudo o que se seguiria. Se eu parar para pensar e olhar para trás, não tenho dúvidas que o António Sérgio foi um motor que deu o arranque ao que eu viria a fazer, quer a nível amador, quer a nível profissional. O prazer em ouvir o Lança-Chamas trouxe a descoberta dos programas de Heavy Metal nas Rádios locais. Abriu caminho à leitura de fanzines do género. Mostrou que em Portugal também despontavam bandas a tentar seguir sonoridades mais arrojadas. Essa avalanche de conhecimento levou-me para dentro do underground do Metal em Portugal e não só. Os dados estavam lançados. A sagacidade do António Sérgio influenciou inúmeras pessoas. Transportou-nos para mundos fantásticos. Não demorou muito tempo para que a audição do Lança-Chamas ganha-se um novo interesse. Em 1988 já eu aguardava ansiosamente que a fanzine Mensagem do Templo fosse divulgada no programa. Não pela voz do Mestre, mas por Paulo “Scorpio” Fernandes ou Gustavo Vidal, que por essa altura já faziam parte da equipa de realização. Depois vieram as divulgações de concertos e bandas com quem trabalhei. O António Sérgio tornou-se uma referência para mim. Uma referência, porque era o meu exemplo nos programas de Rádio que realizei e apresentei. O Lança-Chamas foi um ponto de encontro, foi o que devia ser, o grande polo de divulgação do Heavy Metal em Portugal. Tudo graças à iniciativa de António Sérgio. Mais tarde, já nos anos 90, quando abraçou outro projeto na XFM, acabei por finalmente conhecê-lo pessoalmente. É verdade, não tive esse prazer mais cedo! Foi no edifício da Avenida de Ceuta que me cruzei com ele. Nessa altura, eu colaborava com o Gustavo Vidal no programa Metal Radical na Rádio Energia. Ambas as estações – Rádio Energia e XFM emitiam nos estúdios da Avenida de Ceuta, em Lisboa. Trocámos poucas palavras, mas para mim bastaram. Curiosamente acabei por falar com a filha Ana Ferrão, na altura uma adolescente muito doce e simpática. Dessa forma senti que estava mais perto daquele que me tinha influenciado tanto.

Infelizmente deixou-nos cedo demais. O seu conhecimento e astúcia deram-nos tanto que ficará para sempre marcado em nós. Tal como referi, não pretendo escrever uma biografia do António Sérgio, mas simplesmente tornar público o que este grande homem representou para mim e para muitos como eu.


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