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Reportagem – Reverence Valada 2016 – Dia 3 – 10 de Setembro, Parque das Merendas, Valada, Cartaxo

Se o segundo dia do Reverence Valada foi de arrasar, antecipava-se um terceiro dia fulminante com mais uma maratona a aguardar-nos a qual seria ainda mais difícil de acompanhar tendo em cima muitas horas de trabalho e ínfimas de descanso. Como diz o povo, quem corre por gosto não cansa… e nós não cansámos. Até cairmos para o lado. Mas considerações físico-pessoais aparte, tínhamos grandes expectativas para este último dia, não só pelos nomes envolvidos mas também por sabermos que seria o dia em que ainda teríamos mais público – sendo um Sábado e com nomes como The Sisters Of Mercy a encabeçar o cartaz, foi a nossa previsão que houvesse (ainda) mais adesão do que nos dias anteriores. E não estávamos errados. Antes de irmos ao que interessa e se quiserem verificar como foi o primeiro e segundo dia podem ir aqui e aqui respectivamente.
Como dissemos atrás, o dia anterior foi excelente, superando expectativas que já eram elevadas, mas era hora de encarar o longo dia (e noite) que tínhamos pela frente. Tal como aconteceu no dia anterior, a abertura das hostilidades esteve a cargo de uma das bandas que venceu o concurso para participar no Reverence Valada. Depois dos Osso D’Ouvido, coube aos Moloch a honra de abrir o dia no palco Indiegente. O power trio lisboeta coloca sentido no termo “power” ora andando pelos caminhos do stoner mais psicadélico e hipnótico ora ainda endurecendo mais o seu som. Se ainda houvessem festivaleiros a dormir, de certeza que acordaram todos. Uma actuação bem forte por parte desta jovem banda.
Mudando consideravelmente o estilo sonoro, era a vez dos La Chanson Noire nos levarem numa curta viagem ao mundo muito peculiar de Charles Sangnoir, aqui acompanhado pelo Diogo Beleza. “Caixão À Cova” iniciou uma actuação cheia de groove e ambientes negrodecadentes que seriam mais apropriadas a um espaço fechado e à noite. Mesmo assim, e sem a componente teatral, a mística não se perdeu graças à voz hipnótica de Charles e a música esteve tão acutilante como esperávamos mesmo quando o seu mentor tinha referido no início de que tinha tentado ao máximo estar sóbrio para a actuação mas que não consegue resistir ao bagaço do Cartaxo. Questões alcoolémicas aparte, a actuação foi irrepreensível, com o som a ser preenchido pela voz, bateria e piano (e alguns samples pré gravados) mas não se sentindo que faltava algo. Foi a primeira vez, em nove anos,  que actuam num festival e foi uma estreia fantástica, onde temas como “Fuck Me”, “Família de Chantilly” e “Cornucópia” mexeram e meteram a mexer a assistência presente.
Dos ambientes negros da noite de La Chanson Noire, passamos para o palco Sontronics onde iríamos receber novamente Dr. Space, desta vez com os Øresund Space Collective. Este projecto dinamarquês visa em tocar apenas música de improvisação. Tal poderá deixar os mais cépticos de pé atrás, com receio de que se trate de algum free jazz experimental, capaz de causar dores de cabeça, mas não houve razões para receios. A qualidade dos músicos envolvidos, onde também tínhamos também membros dos Papir (que actuaram no dia anterior com o Dr. Space e que iriam actuar em nome próprio neste mesmo dia), foi mais que muita, o que nos proporcionou as primeiras viagens do dia. Excelente capacidade de improvisação e de conseguir criar verdadeiros épicos de space rock progressivo e, reforçamos, tudo improvisado.
Descendo à terra, voltámos ao palco Indiegente onde os Phantom Vision já se encontravam envolvidos (e a envolverem todos) no seu rock gótico clássico, onde o destaque foi feito ao último álbum “Ghosts”, editado já no ano passado, onde se destacaram os temas “Far Enough” e “Right City, Wrong Time”. “Last Frontier In Hollow Land” foi outro dos destaques de uma actuação que agradou ao público que neste dia se via composto por mais hostes góticas. Um excelente aperitivo para aquilo que viria a ser logo os The Sisters Of Mercy, uma das influências dos Phantom Vision.
Obrigados a deixar os Phantom Vision para trás, fomos directos ao palco Rio onde estavam os britânicos Steak à nossa espera. Embora tivessem começado a tocar para uma plateia praticamente vazia, não foi preciso muito para que o público começasse a surgir. Na realidade só foi necessário começar a tocar. Com o seu desert/stoner rock bem clássico, também não é nada de espantar. O vocalista anunciou entre músicas que o tempo era curto e que por isso preferiam deixar de lado a conversa de treta e focarem-se apenas na música, que era o motivo de estarmos todos ali. Uma actuação sóbria mas ao mesmo tempo bem energética – para quem pensa que o stoner é música letárgica, deveria ver os Steak ao vivo para mudar de opinião.
Ainda falámos há pouco dos Papir e chegava a hora de os ver novamente, desta vez a “solo”, ou seja, no formato power-trio. A banda tem tido uns dias bem ocupados no Reverence Valada, principalmente o guitarrista Nicklas Sørensens e o baterista Christoffer Brøchmanns, com a participação em diversos projectos mas agora era a vez de os ver no seu principal projecto que não tem grandes diferenças que provoca no ouvinte, ou seja, é música para viajar. Space rock metido ao barulho com rock psicadélico, tendo direto até a uns riffs de Led Zeppelin numa das músicas. O que é que poderíamos querer mais para ser felizes? Muito pouco.
Nicotine’s Orchestra, vindos da Nicotinelândia como declarou Nick Nicotine (a.k.a. como Carlos Ramos) no meio de duas músicas, numa das poucas vezes que se dirigiu ao público denotando que havia o foco de tocar o máximo possível. O público não se queixou e nós também não. No entanto, quando se dirigiu ao público foi sempre com boa disposição, como por exemplo quando afirmou que algumas das músicas tinham sido criadas no dia anterior. Som cool como só o bom rock nos consegue proporcionar, num projecto que não tem como falhar na sua missão de entreter.
Passando do som bem directo do rock dos Nicotine’s Orchestra no palco Indiegente para a fusão shoegaze/pop/soul/trance/ambient e (porque não?) trip hop dos The Veldt foi um instante. Não se focando propriamente em nenhum dos estilos indicados atrás mas indo buscar um pouco de todos, a banda norte-americana trouxe uma vibe positiva com o seu som, mesmo que não fosse totalmente dentro dos géneros aqui focados na World Of Metal, mas como este mundo é muito grande, eles também cabem cá. Bom onda e relaxamento foram as palavras de ordem para o concerto dos The Veldt.
Foi com os teclados hipnóticos de Neil e com o baixo monstruoso de Jason que os britânicos The Cult Of Dom Keller anunciaram a sua chegada, e já havia uma boa multidão à espera deles em frente ao palco Sontronics. Possante e hipnótico são dois bons adjectivos para defini-los, com excelentes capacidades para provocar mais umas viagens a partir da gare de Valada. Uma banda com uma capacidade incrível para esse efeito.
Com uma curiosidade para os vermos ao vivo, fomos assim que pudemos para o palco Indiegente onde iam tocar os Névoa, com quem já tínhamos conversado em jeitos de antevisão da sua participação no Reverence (ver aqui). Na nossa opinião trata-se de um dos grandes novos valores nacionais, com um excelente segundo álbum lançado recentemente (ver aqui a nossa apreciação) e com uma capacidade de progressão incrível. A banda teve algumas dificuldades na preparação do som, o que levou a um ligeiro atraso na sua actuação. Apesar disso a banda atacou com potência – a sua música também não exige menos que isso – e fez esquecer que era de dia e que estava sol. Com uma prestação muito boa e contrariando algumas dificuldades (Nuno Craveiro, na voz e guitarras teve o infortúnio de lhe começar a deitar sangue do nariz a meio do concerto), este foi um grande concerto. Só foi pena a mistura estar algo desequilibrada, onde a voz abafava quase tudo o resto. Ainda assim o público ficou refém da sua música e de certeza que conquistaram mais uns quantos seguidores.
O atraso no início dos Névoa complicou-nos as nossas contas e tivemos que nos apressar para apanhar o rock explosivo e energético dos The Quartet Of Woah!. Quando chegámos ao palco Rio, o mesmo já estava em plena animação, com o habitual banho de energia rock clássico, bem característico da banda portuguesa. Não faltaram as músicas já bem conhecidas (se não são, deveriam ser!) como “Empty Stream”, “The Announcer” e a “The Taste Of Hate”, motivos mais que suficientes para meter todos em rebuliço – no bom sentido, claro.
No palco Sontronics era a vez dos Mécanosphère, o projecto de cariz industrial (talvez um termo muito limitador para a essência deste projecto) que junta personalidades como Adolfo Luxúria Canibal com André Coelho, Manuel Neto, Benjamin Brejon, João Filipe entre muitos outros. A transição do rock para a sonoridade dos Mécanosphère não é propriamente suave, no entanto, a abertura com o groove doentio de “Hábil Povo das Máquinas”, do último álbum “Scorpio” foi o ponto de partida para uma performance muito livre e improvisada do trabalho que têm registado. Talvez por isso, foi uma interpretação única que, apesar de alguns problemas sonoros no início, deixou todos satisfeitos, mesmo aqueles que não os conheciam.
No palco Indiegente, tínhamos a última actuação do festival que não poderia ter ficado melhor entregue. Flak, bastante conhecido do público nacional, por ser membro fundador dos Rádio Macau e também por muitos outros projectos inclusiva a carreira a solo e o seu mais recente trabalho, “Nada Escrito”, que serviu de mote para a sua actuação. Dono de uma sensibilidade melódica impressionante na forma como toca guitarra, a fazer lembrar nomes grandes do rock progressivo (o de David Gilmour apareceu constantemente na nossa mente com a música que abriu a sua actuação). Um concerto ideal para relaxar onde destacamos o tema “Qualquer Coisa”.
Enquanto Flak transportava o público do palco Indiegente por bonitas paisagens sonoras, no palco Rio era a vez de voltarmos a ouvir Nik Turner e dos seus New Space Ritual. Como não poderia deixar de ser, fomos levados a percorrer o mundo fantástico dos Hawkwind, reinterpretado por um dos seus membros. Com uma excelente banda atrás de si a suportá-lo e com um talento inegável tanto no saxofone como na flauta transversal, esta actuação foi digna de ser vista e ouvida, com o septuagenário a mostrar que está ali para as curvas. Um espectáculo fantástico, não exclusivo aos fãs de Hawkwind. basta gostar de boa música.
“Olá, boa noite, We’re The Damned, it took us 40 years but we’re here!” foi a forma como a seminal banda inglesa se apresentou ao público do Reverence Valada, levando-o ao rubro. Com o som muito bom e uma performance seguríssima, onde nada falhou, foi possível verificar que a banda está uma máquina muitíssimo bem oleada e que muito do público estava lá exactamente para os ver. “Street Of Dreams” soou maior que a vida, como que saída de um filme de 007 mas nem por isso o lado punk da banda foi esquecido com temas mais velhinhos como “Love Song”, “Neat, Neat, Neat” e “Machine Gun Etiquette” a serem igualmente bem acolhidos. 
Por falar em clássicos, tínhamos que nos dirigir rapidamente do palco Sontronics para o palco Rio onde os The Sisters Of Mercy iam marcar presença. Completamente cheio e com a expectativa em alta, foi com euforia que a melodia (quase) inconfundível de “More” deu a indicação de que a banda clássica de rock gótico estava em palco. Isto porque havia tanto fumo artificial a sair daquele palco que nos deu a sensação de que quem estava na bateria era o D. Sebastião. Apesar de não poderem ser vistos com clareza, foram muito bem ouvidos, apresentando uma boa cobertura da sua carreira discográfica, que não é muito grande pelos motivos que já se conhecem, não faltando clássicos como “Doctor Jeep/Detonation Boulevard”, “Dominion/Mother Russia”, “Lucretia My Reflection”, “Vision Thing”, “This Corrosion” e “Temple Of Love”. O som não foi perfeito, com alguns desequilíbrios e algumas desafinadelas a nível vocal, mas para muitos era uma oportunidade única de os ver ao vivo e tal dilui qualquer falha que lhes tivesse sido apontada.
Depois de uma viagem pela terra da nostalgia, era tempo de estar com os mortos, ou em inglês, With The Dead. Entrando a matar com uma pesadíssima “Crown Of Burning Stars” ficou logo tudo rendido e com cada vez mais pessoas a chegar, do fim do concertos dos The Sisters Of Mercy. Foi aproximadamente uma hora de doom metal de alta qualidade que nos trouxe o mais próximo que podemos ter dos extintos Cathedral, bem mais pesados é certo, mas ainda assim. O foco foi no álbum de estreia e os temas que se destacaram quanto a nós foram “Living With The Dead”, “Screams From My Own Grave” e “The Cross”.
Já aqui falámos anteriormente da riqueza da diversidade das propostas do Reverence Valada, mas nunca é demais referir que só mesmo aqui conseguiríamos passar de um doom metal pesado como aquele que os With The Dead debitaram para um space rock etéreo e psicadélico como aquele que os Radar Men From The Moon nos trazem. Mas este space rock é bruto e barulhento, repetitivo e hipnótico, que faz com que a viagem se tenha tornado ainda mais intensa. A banda holandesa consegue como ninguém criar intensidade e ambiência com drones de distorção que se instalam e não querem mais sair. E foi assim durante uma hora.
Os Mars Red Sky foram o seguimento para os Radar Men From The Moon, dando-nos a provar um pouco da sua receito muito peculiar de stoner/doom onde a melodia anda de mão dada com o peso numa actuação que apesar de já ter começado de madrugada, cativou muitos resistentes em frente ao palco, numa altura em que as nossas pilhas já estavam não vermelho e o cansaço não dava tréguas. De qualquer, ficámos fãs desta banda e com vontade de vê-los novamente – de preferência com as baterias carregadas.
Acabámos por morrer na praia porque os Earth Drive foram a última banda que vimos – não nos foi possível de todo acompanhar os Summer Of Hate e convidados inseridos na vertente das Sunrise Sessions – e foi com a banda portuguesa que nos despedimos do Reverence. Apesar de não poderem ser chamados veteranos, os Earth Drive mostraram à-vontade e maturidade próprios de uma máquina bem rodada e oleada. O seu som característico que vai desde o rock mais alternativo até ao stoner não esquecendo o psicadélico soou de forma perfeita, mesmo para ouvidos cansados.
E assim chegou ao final de mais uma viagem pelo Reverence Valada, uma viagem enorme pelo mundo do rock alternativo e de outras sonoridades pesadas que nos encheu o coração, porque afinal não há nenhuma linguagem que nos una tanto como a música, a linguagem universal. Agradecemos ao Reverence Valada e a todas as bandas por mais uma edição enorme a todos os níveis. Até para o ano!

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