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Visions From The Pit – Vagos Metal Fest 2020

Texto por Filpa Nunes

Decorria ainda o festival de 2019 e já eram anunciadas as primeiras bandas para a edição de 2020. Na euforia do momento, já se faziam planos. Falhamos os bilhetes a preço especial por darmos mais atenção às bandas que estavam a tocar do que à bilheteira. Mas não importava. O Vagos Metal Fest iria receber-nos na mesma na edição seguinte.

Terminado o festival de 2019, com o coração cheio e a alma descansada, preparou-se a estadia para 2020. Bilhetes comprados, casa reservada, a espera do anuncio das bandas começou. A cada nome, verificava que a escolha da nova edição não ia tão de encontro aos sub-estilos de metal que mais oiço. Mas continuava a haver bandas que queria ir ver. E certamente não queria perder o ambiente. O VMF é uma pausa no lufa-lufa do dia-a-dia. Desde o seu retorno, do qual só não pude estar presente na edição de 2016, tornou-se quase natural marcar aqueles dias de férias. Ir para Vagos. Ir ao VMF.

Mas acho que o fado (vá, para lhe dar um nome bonito) tinha outros planos. Em Março assisti ao meu ultimo concerto, já num ambiente de desconfiança, num universo de medo. O que veio depois de Março, graças ao COVID, ninguém poderia prever. O pais fechou, a Europa fechou, o mundo semi-enloqueceu.

As promotoras e bandas encontraram-se numa encruzilhada dos diabos. Para nos proteger a todos, tinham de sacrificar. E durante os dois meses de confinamento, ainda se alimentou a esperança. Vagos estava no final do mês de Julho. Podia ser que… Estava tão longe… Seria um regresso a uma normalidade diferente, mas estaria lá, a nossa bandeira de Metal a voar alto. Mas os festivais de verão começaram a ser adiados, ou convertidos em formato digital. Era tudo uma questão de tempo. Mesmo assim, mantive a esperança teimosa. Podia ser que se conseguisse uma forma saudável de avançar com o festival.

Mas provou-se impossivel. Pela nossa saúde. Pela saúde de quem faz o festival.

Ainda assim, decidiu-se não adiar a ida a Vagos. E dia 30 de Julho, no suposto dia 1, fizemo-nos à estrada. O Metal foi a tocar no rádio do carro. As paragens para esticar as pernas estavam diferentes. Todos os anos é normal cruzar com outro pessoal que vai claramente para o VMF. Acho que temos umas antenas que nos fazem encontrar em todo o lado. Este ano, só os emigrantes e familias ditas, vá, normais.

Ao entrar no território do festival, tendo em conta que entramos sempre pelo lado da ponte, o estranho bateu-nos logo. Não havia a quantidade de automoveis parados que indica que o parque de campismo já está a encher. Não havia a bilheteira já com uma pequena fila para recolher as pulseiras. Os bares de Vagos não estavam a passar Metal, em busca dos sedentos metalheads que procuram sempre algo fresquinho para matar a sede e animar a malta.

Vagos estava lá. Mas o VMF não. E para quem conhece o espaço da Quinta do Ega, é como se, de repente, só estivesse ali um vazio.

Não me levem a mal, a Quinta do Ega é lindissima. Ter a oportunidade de a gozar sem o festival foi uma experiência unica. E foi uma das razões que nos levou a voltar, mesmo sem o festival.

Mas não estavamos prontos para o silêncio. A unica coisa que se ouvia na Quinta era a musica das cigarras e grilos. O som do vento na ria. E apesar de adorar locais na natureza, do silêncio natural faltou a musica que tanto gosto. As caras sorridentes. Até as vozes mal-dizentes desta ou daquela banda. Faltou a azafama de quem está a organizar e a manter o festival, sempre na correria. As barracas de comida (ai, o pão com cogumelos e queijo feito na hora…), o beer garden (paragem obrigatória para os apreciadores das cervejas mais fortes e artesanais), as barracas de merchandise. Os fotografos e reporters a correrem de um palco para o outro. As bandas a espreitar as bandolinas dos dois grandes placos que preenchem o espaço junto à vila. As tendas espalhadas em cada canto.

O canto, o ritmo de cada concerto. O mosh-pit, que evito como o diabo da cruz, as wall-of-death. O pulsar de um festival que só se faz com pessoas que estão ali pela musica.

Faltou a emoção, a vibração, a vida que só um festival, como este e feito por gente como esta, tem.

Mas a Quinta do Ega não parecia mortiça. Parecia em espera. Como se estivesse segura de que estas medidas (tão acertadamente) usadas para nos proteger só estavam a provocar uma pausa. A Quinta está à espera. Não desistiu.

Não sabemos o futuro. Os concertos, já à algum tempo, que começaram a ser remarcados. A organização do VMF já nos prometeu uma nova edição para o ano. As bandas, grandes e pequenas, precisam de esperança. De um recomeço. As bandas ,as promotoras, as salas que nos recebem precisam tanto do publico e fãs como nós precisamos deles. Estamos à beira de uma estrada diferente. Naquela encruzilhada dos diabos é onde estamos todos. As bandas, promotores e salas à espera de novas medidas. O publico à espera da musica ao vivo. Tudo em segurança, para todos.

Não vejo a hora de agarrar na minha maquina fotográfica e voltar ao pit. Mas mais do que isso, não vejo a hora de voltar a cantar, juntamente com outras vozes, as canções que me movem. Sentir o ritmo a bater dentro do peito. Pisar as salas e espaços de espetaculos e ansiar por aquele primeiro acorde que fará a espera valer a pena.

Se tenho receio da doença? Digamos antes que lhe tenho respeito. Um grande respeito. Viver com medo não é saúdavel. E por isso faço para proteger-me e proteger quem me rodeia. E assim acredito que será possivel voltarmos aos eventos públicos se todos tiverem essa consciência. Porque acredito que todos vão querer voltar mais do que uma vez.

E juntos vamos voltar a Vagos para o ano. Para um cartaz excepcional onde se vão incluir nomes mais conhecidos e menos conhecidos. Vamos voltar ao Vagos Metal Fest, com consciência, com noção das batalhas que se travam todos os dias para que o tenhamos de volta. Para as batalhas que se travarão para que seja feito em segurança. E pela música que nos move a todos.

Espero ver Eluvitie. Espero ouvir Unleash the Archers. Espero rever Trollfest. Espero descobrir bandas novas. Espero ver velhas caras conhecidas. Espero cantar em plenos pulmões. Espero ver o publico saltar e vibrar. Espero provar as cervejas artesanais. Espero fotografar momentos unicos. Espero viver a experiência unica de ter este festival como um marco. Espero emocionar-me de estar de volta.

E espero, no dia seguinte ao festival, ouvir o silêncio da natureza na Quinta do Ega, com a sensação de mais uma vivência cumprida. Porque as memórias ninguém as tira.

Até para o ano, Vagos!


 

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