Report

WOM Report – Gwydion + Banda do Ateneu – Philharmonic Metal Experience @ Ateneu Artístico Vilafranquense, Vila Franca de Xira – 30.10.2021

Confesso que a folha em branco (a temida) não causava tanto impacto como na hora de (d)escrever a experiência memorável que foi este evento da junção da Banda do Ateneu com os Gwydion para celebrar a música deste bravo bando de guerreiros lusitanos. E é por este motivo também que optei por largar o suposto distanciamento e imparcialidade que é já esperado (mas nem sempre cumprido) nas nossas reportagens. Voltar a entrar no Ateneu Vilafranquense, lugar mítico para a cultura desde sempre, no concelho de Vila Franca de Xira, a minha casa durante décadas, para experienciar a música dos nossos corações (e que dá sentido e razão a tudo o que fazemos aqui na World Of Metal) a ser elevada a um novo patamar de excelência. Como manter a objectividade perante isto? E porquê?

O início para o evento atrasou-se ligeiramente, provavelmente devido a um Ateneu que se insistia em encher, com as pessoas a continuarem a chegar. Com a entrada do maestro Samuel Pascoal (vestido a preceito como exigia a ocasião) ouviu-se a primeira ovação da noite. A primeira de muitas. Das escadarias do lado esquerdo da sala desce a comitiva viking, com os Gwydion a serem escoltados pela Espada Lusitana (grupo de prática de esgrima histórica e artística) de forma solene e que ao som da Banda do Ateneu tornou logo o início arrepiante, o aperitivo para aquilo que se iria suceder. “Stand Alone”, o primeiro tema do mais recente e auto-intitulado trabalho. A curiosidade fez crescer as expectativas foram cumpridas e superadas – embora o nosso lado metálico gostasse sempre de ouvir um pouco mais de guitarras na mistura final. A adaptação necessária foi feita facilmente porque o impacto majestoso da filarmónica na música dos Gwydion foi inegável e imediato.

Foi com “Ofiussa (A Terra das Serpentes)”, o tema emblema de toda esta experiência, que subiram ao palco pela primeira vez Célia Ramos (Mons Lvnae e Dream December) e Isabel Cristina (ex-Dogma e Insaniae), elas que gravaram o tema (entre outros) no segundo álbum da banda “Horn Triskelion” de 2010. Não demorou muito para que o público também se juntasse à festa, ou não estivessemos nós num concerto de Gwydion, onde o bailarico é imperativo. A natureza do espectáculo e do anfiteatro não permitia para a celebração do costume mas o entusiasmo manifestava-se através das palmas ritmadas e da alegria que os músicos espalhavam em cima do palco. Acrescentada, claro está com a já habitual mestreia de Pedro Leal Dias em puxar pelo público, ele que também não se canso de agradecer tanto à Banda do Ateneu (e seu maestro) como também ao público por estar presente.

Muitas vezes fomos dominados (e creio que posso falar por grande parte do público, senão mesmo por todos) por arrepios que a simbiose entre estes mundos causa, uma simbiose que é de certa forma única no nosso território, entre música extrema e uma banda filarmónica. Arrepios que se sucederam muitas vezes ao longo da actuação que foi dividida em três partes. Depois de findada a primeira parte com a “King’s Last Breath”, que viu Kaveirinha e Luís Figueira, os dois guitarristas, a saltarem do palco para ir tocar junto ao público – haverá algo mais interactivo que isto? – o maestro Samuel Pascoal sai de cena e dá-se início à segunda parte, com os Gwydion a “solo”, com o foco a ser quase exclusivo no último trabalho de originais e onde se destaca uma “Hostile Alliance” com um final apoteótico.

Um breve intervalo de quinze minutos foi o que antecedeu a terceira parte, onde viu o regresso do maestro, sobre uma nova chuva de palmas entusiástica. A filarmónica começa a tocar em estilo cinematográfico para ilustrar um verdadeiro momento de capa e espada, cortesia do talentoso grupo Espada Lusitana. Dois guerreiros entram em palco de espada em rista e travaram um combate convincente num espaço que era curto e sem degolar nenhum dos talentosos músicos da Banda do Ateneu. Era a chamada para o regresso dos Gwydion para a recta final do espectáculo e começaram precisamente com o tema homónimo. Uma recta final emocionante onde todos os temas soaram de forma poderosa, com o destaque para a “Trail To A Newland” (aquele final…) e a que já é um verdadeiro hino “Thirteen Days” (onde Pedro foi esteve ao pé de Marta Brissos, que estava no canto do palco e isolada com barreiras acústicas, e posteriormente no meio do público).

“The Bards”, um dos momentos mais emblemáticos do último álbum de originais (e também aquele que tem uma melodia de piano que relembra o black metal melódico da década de noventa) seria o ponto final da actuação, onde a banda se reuniu toda em frente à filarmónica, voltada para o público e se assistiu a uma formosa donzela a subir ao palco para receber do guerreiro vencedor do combate anterior a espada como triunfo. Espada que ela desembainhou e ergueu e gritou “Ofiusa!”, com o público a bater palmas de pé. Aplausos que se repetiram quando o vocalista dos Gwydion agradeceu novamente ao maestro à Filarmónica. Como não seria o mesmo ter um concerto de metal sem um encore, a banda voltou a tocar “Ofiussa (Na Terra das Serpentes)” e desta vez ainda contou com a participação especial (e improvisada) de Rúben Almeida, o primeiro vocalista da banda, na secção intermédia do público.

Findada a última canção – e a vontade colectiva era mesmo que esse momento não chegasse – era altura de mais uma ovação de pé, numa noite onde todos os defeitos a apontar (não tocarem a “Mead Of Poetry” foi um deles) foram dilacerados perante a avalanche de emoções do resultado final de uma experiência que merece ser replicada (e há essa vontade segundo aquilo que a própria banda nos confidenciou), noutros momentos e noutros locais. Semanas de trabalho árduo que se manifestaram num momento, porque não dizer, histórico, na vida de todos aqueles envolvidos e na vida daqueles que o presenciaram. A magia de momentos assim não tem preço e não deve ser esquecida, algo que não acontecerá certamente para todos os presentes.

 

A folha em branco foi preenchida, não apagando a sensação de que tanto mais poderia ter sido dito mas também com a certeza que todas e quaisquer (mais) palavras não lhe fariam a devida justiça. Perante as adversividades, perante tarefas gigantescas e à partida improváveis/impossíveis, é bom ver que há quem ouse fazer pontes entre mundos, deitando abaixo preconceitos que já não fazem quaquer sentido (alguma vez fizeram?) mas o resultado fala por si. Marcar e entusiasmar até quem possa ter perdido a esperança pela desconsideração constante pelo seu trabalho, dos vivem a música e a cultura, que tão maltratada e esquecida tem sido nos últimos tempos. É esse o poder da música, é esse o seu legado e é para ele que todos nós vivemos e lutamos. Foi esse poder manifestado e celebrado ao máximo da sua capacidade.

Texto por Fernando Ferreira
Fotos por Sónia Ferreira
Agradecimentos Gwydion & Ateneu Artístico Vilafranquense


 

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