Rock Zone Reviews – Hellfox, Frolic, Segregatorum, Fairyland
Rock Zone é um programa de rádio na Rádio Alta Tensão e na Songs For The Deaf Radio da autoria de Miguel Correia e todos os meses, estes são os seus destaques.
Hellfox – “The Spectrum of Human Gravity”
Rockshot Records
Com “The Spectrum of Human Gravity”, as Hellfox emergem como uma das propostas mais ousadas e emocionalmente intensas do metal melódico europeu atual. O quarteto italiano — composto exclusivamente por mulheres — apresenta um álbum que desafia convenções e mergulha a fundo nas zonas sombrias da experiência humana, onde coexistem a fragilidade, a fúria, a introspecção e a libertação.
A sonoridade do álbum assenta numa base sólida de melodic death metal nórdico, enriquecida por elementos modernos, texturas electrónicas e uma abordagem arrojada à composição. Os sintetizadores, por vezes com toques de pop e disco, conferem uma identidade sonora única, sem comprometer a agressividade. Esta fusão invulgar entre peso e melodia resulta num som envolvente, mutável e, por vezes, desconfortável — no melhor dos sentidos.
As duas vocalistas da banda são um dos pilares do impacto emocional do disco. A alternância entre vozes limpas e guturais não é usada como mero recurso estilístico, mas como ferramenta narrativa que amplifica a complexidade das emoções exploradas. O resultado é um álbum que soa cru e sincero, onde cada faixa representa uma “face do eu” — uma viagem através das contradições da psique humana.
A construção das músicas reflete essa mesma complexidade. Tudo começa com a palavra escrita, e só depois ganha corpo na sala de ensaio, onde cada elemento — da estrutura à percussão — é trabalhado até que faça sentido emocionalmente. Há uma clara recusa em concluir faixas que não acrescentem algo verdadeiro ao universo da banda, o que torna “The Spectrum of Human Gravity” um trabalho coeso e autêntico do primeiro ao último segundo.
Esta coesão é também resultado de uma evolução sonora notória em relação a lançamentos anteriores. A afinação mais grave, a opção por baixo de cinco cordas em fingerstyle, e uma direção mais homogénea conferem ao álbum uma tonalidade mais negra, densa e madura. Apesar disso, cada tema traz nuances distintas, revelando um cuidado especial na criação de dinâmicas internas.
O disco afirma-se como uma exploração conceptual das emoções humanas universais — solidão, alienação, ansiedade, esperança — usando metáforas visuais e mitológicas como ponte para temas profundamente pessoais. Não há aqui dramatismo vazio; há uma entrega total ao desconforto necessário para se compreender e libertar.
“The Spectrum of Human Gravity “é mais do que um álbum — é um espelho distorcido da alma moderna, onde a dor encontra beleza e o caos dá origem à introspecção. Uma obra de peso emocional e sonoro que confirma as Hellfox como uma voz relevante e absolutamente singular no panorama do metal melódico contemporâneo.
Frolic – “Live At the Great American Music Hall”
Edição de Autor
“Live At the Great American Music Hall” é um momento decisivo na carreira dos Frolic. Com apenas cinco faixas, a banda consegue apresentar toda a sua força, técnica e identidade. Entre homenagens ao passado e pistas sobre o futuro, este disco deixa claro que os Frolic estão preparados para subir de divisão no universo do thrash metal.
Este registo ao vivo é uma descarga feroz de thrash técnico e crú que prova porque esta banda da Bay Area não pode, de forma alguma, ser ignorada. Lançado digitalmente a 7 de fevereiro de 2025, este álbum é um murro no estômago no melhor dos sentidos: rápido, preciso e impossível de esquecer.
Gravado num momento histórico — o regresso dos Forbidden aos palcos após 11 anos de ausência — os Frolic aproveitaram ao máximo o seu tempo de antena, abrindo a noite com um set de apenas cinco temas que foram transmitidos em direto e agora eternizados neste registo.
O álbum abre com “Upon What’s Left of Me”, um tema devastador, que serve de cartão de visita e mostra logo as credenciais da banda: riffs cortantes, vocais agressivos e uma secção rítmica que não dá tréguas. Mas é com a segunda faixa, “Destroy the Throne”, que a banda atinge o seu pico. Com um riff inicial que pisca o olho a Exodus (e não por acaso), este tema é um verdadeiro hino thrash que tem tudo para se tornar um clássico moderno do género. É direto, é brutal e tem aquela energia contagiante que só os grandes conseguem transmitir.
“Nebula Force Field” mostra um lado mais exploratório da banda. Mantendo o peso característico, mergulha em texturas mais atmosféricas e destaca-se especialmente pelo trabalho de baixo de Zak Kufeld, que faz lembrar os momentos mais técnicos de “Symbolic”, dos Death. É aqui que se percebe que os Frolic não vivem só de velocidade — há nuance e sofisticação no caos.
A seguir, a banda presta homenagem às suas raízes com uma poderosa versão de “A Lesson in Violence”, clássico absoluto dos Exodus. A execução é impecável, respeitando o original, mas acrescentando o toque pessoal de Edgar Sanchez e companhia. É o tipo de cover que nos faz querer ouvir a original e voltar logo a esta versão.
O set encerra com “Fusion of Spirits”, onde os Frolic voltam a surpreender. A agressividade continua, mas há uma aproximação ao death metal, tanto na estrutura como na voz de Sanchez, que por momentos canaliza o espírito de Chuck Schuldiner. É um final que demonstra maturidade e vontade de expandir horizontes, sem nunca trair a identidade thrash da banda.
Por fim há que destacar a qualidade da gravação. Ao contrário de muitos registos ao vivo que sacrificam clareza em nome da “crueza”, este álbum apresenta um som nítido, captado diretamente da mesa de mistura, que não perde a intensidade do espetáculo. O resultado é uma experiência auditiva imersiva, onde sentimos cada prato, cada grito, cada distorção.
Segregatorum – “Path Worse Than Death”
No universo denso e sombrio do metal extremo, os brasileiros Segregatorum impõem-se com “Path Worse Than Death”, um disco que transcende os limites habituais do death/doom metal. Oriundos do Rio Grande do Sul, estes músicos apostam numa sonoridade arrastada, atmosférica e profundamente emotiva, que nos convida a explorar o lado mais introspectivo do caos.
Com influências bem vincadas do doom tradicional e do death metal old school, o álbum destaca-se por uma produção poderosa e por uma execução técnica irrepreensível. Cada faixa é uma viagem por paisagens sonoras pesadas, ora sufocantes, ora melancólicas, onde o peso dos riffs se alia a variações rítmicas inesperadas e solos intensos que evocam o espírito progressivo dos anos 90.
Os temas abordados não ficam atrás na intensidade. Depressão, isolamento, misantropia e melancolia são tratados com seriedade e profundidade lírica, dando ao álbum um carácter quase ritualístico. A música dos Segregatorum não se limita a agredir — ela expõe, revela e, por vezes, consola. É nesta dualidade entre brutalidade e beleza que reside o verdadeiro impacto do disco.
Faixas como “Last Night of the World”, “Kirsty” e “Purge of the Carnal Sins Through Transcendental Tortures” são pontos altos de um trabalho que impressiona tanto pela coesão como pela ambição. A colaboração com Tim “Ripper” Owens em uma das faixas acrescenta ainda mais peso e autoridade ao lançamento.
O metal extremo pode ser mais do que violência sonora — pode ser expressão emocional, reflexão e arte. “Path Worse Than Death” é um disco denso, sofrido e arrebatador, que merece ser ouvido com atenção e respeito. Uma afirmação poderosa de que o sofrimento, quando canalizado com honestidade e talento, pode gerar algo profundamente interessante.
Fariryland – “The Story Remains”
Frontiers Music
Os mestres franceses do metal sinfónico estão de volta com “The Story Remains”, um regresso envolto em emoção, homenagem e renovação. Após a perda irreparável de Philippe Giordana, fundador e alma criativa dos Fairyland, o desafio de finalizar o quinto álbum da banda parecia quase impossível. Mas da dor nasceu uma obra rica e poderosa, que mantém a essência do grupo enquanto abre caminho para uma nova fase artística.
O disco conserva o ADN épico e orquestral que tornou a banda um nome de culto na cena do symphonic power metal desde os tempos de “Of Wars In Osyrhia” (2003), mas acrescenta-lhe uma versatilidade que surpreende. A entrada do vocalista Archie Caine, do teclista Gideon Ricardo e do guitarrista Brieuc De Groof trouxe fôlego novo e permitiu à banda explorar territórios sonoros mais amplos. Canções como “A New Dawn” revelam uma atmosfera folk encantadora, repleta de coros e arranjos que transportam o ouvinte para universos fantásticos, enquanto “Karma” revive o vigor do power metal melódico dos anos 2000 com uma energia contagiante.
A produção é meticulosa e grandiosa, sem nunca cair no exagero. Cada elemento — seja a guitarra de Brieuc, os arranjos orquestrais de Gideon ou a bateria precisa de JB Pol — está cuidadosamente equilibrado. Archie Caine impressiona pela sua versatilidade vocal, navegando com naturalidade entre tons poderosos e passagens mais suaves, sendo particularmente marcante nas faixas “Hopeless Still” e “The Chosen Ones”.
Composta por treze faixas e mais de uma hora de duração, a viagem sonora culmina em “Suffering Ages”, com a presença icónica de Elisa C. Martin, voz lendária da estreia da banda. A faixa encerra o álbum de forma intensa e comovente, como se a banda fizesse um último brinde a Giordana, unindo passado e presente com um brilho emocional raro.
“The Story Remains” soa como um tributo tocante à paixão e ao legado de quem ajudou a moldá-la desde o início. Entre camadas sinfónicas, melodias triunfantes e letras que evocam mundos além da realidade, este é um disco que reafirma os Fairyland como um dos nomes mais relevantes e autênticos do género. Uma viagem musical que, fiel ao seu título, garante que a história — e a magia — permanece.
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Grande Miguel apoiador do zine contra mão
Maravilhosa resenha parabéns meu grande amigo